Arautos d'El-Rei | Portugueses com “P” maiúsculo
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Portugueses com “P” maiúsculo

Filipe Stilwell d’Avillez

Existe em Malaca, que hoje faz parte da Malásia, país com um curioso sistema de monarquia rotativa, uma comunidade que não se esquece das suas raízes. Essa comunidade tem apelidos como Fernandes e de Silva, pratica fielmente a religião Católica e fala um dialecto com forte influência do Português quinhentista.

Há mais de 500 anos separada de Portugal continental, a comunidade de luso-descendentes de Malaca considera-se unicamente portuguesa. No mundo das altas tecnologias e da comunicação rápida em que vivemos, os “portugueses” de Malaca não compreendem por que razão os Portugueses de Portugal não lhes ligam muito. Mas a razão é até bastante simples, senão vejamos.

Os Portugueses têm dois órgãos de soberania que os representam. A Assembleia da República e o Presidente da República.

Têm poderes e responsabilidades diferentes. Não vou entrar por aí. Mas são eleitos, segundo nos dizem, pelos Portugueses e existem para os servir.

A Assembleia da República é eleita de forma representativa. Os deputados estão lá em nome do seu eleitorado e não em nome de todos os Portugueses. Segue-se que não há ninguém no parlamento que tenha interesse em defender os interesses dos “portugueses” de Malaca, uma vez que nenhum foi eleito por estes.

E o Presidente da República? Não é eleito para representar todos os Portugueses? Sim, em teoria. Ele, que até liga alguma coisa às comunidades emigrantes (especialmente agora que já têm direito a votar) também nunca se interessou muito pelos “portugueses” de Malaca. É pena, mas não admira muito. A comunidade “portuguesa” de Malaca não tem muito dinheiro, não move influências. Têm uma ligação espiritual e histórica com Portugal mas ligação material e financeira não têm. Não têm cá primos nem parentes conhecidos, nem vínculos especiais a qualquer área, logo não há uma comunidade em particular que se sinta responsável por eles, ao contrário do que acontece com algumas comunidades emigrantes.

O “português” que eles falam já não é o nosso. Não conhecem as nossas praias nem os vales do Douro. Não compram garrafões de tinto, não foram em massa à Expo-98 e não devem ter grande interesse no Euro 2004. O processo da Casa Pia passa-lhes completamente ao lado e em 2006, certamente, não irão votar nem financiar as campanhas para eleger o “representante de todos os portugueses”.

Confesso que fiquei surpreso quando, há alguns anos, um “português” de Malaca me contactou através da página Web da Juventude Lusitana, para poder colaborar com o movimento monárquico português. Mas a surpresa foi ingénua, porque as razões são mais que óbvias. Afinal, que ligação tem um português de Malaca com o Presidente da República? Nenhuma! Com efeito, o Chefe de Estado não passa de um cidadão com ligações históricas a um partido político, eleito por alguns portugueses, em resultado de uma campanha que consegue dividir aqueles poucos cidadãos que ainda se interessam pela eleição presidencial. Qualquer que seja o presidente a situação será idêntica.

O Duque de Bragança, no entanto, para além de já ter visitado Malaca e conhecer bem os “portugueses” de lá, é descendente dos reis dos seus antepassados, dos homens a quem os seus avós juraram fidelidade. Na feliz expressão de António Sardinha, “as encarnações da Pátria pela qual lutaram e morreram a defender”. O Duque de Bragança, independentemente dos seus méritos pessoais, encarna uma relação histórica e íntima que toca a alma desta comunidade e lhe dá a sua especificidade. E isto dá-se pela razão que os republicanos mais odeiam, por ser filho de quem é, descendente de quem é.

Existe entre o herdeiro dos Reis de Portugal e os “Portugueses” de Malaca uma ligação que nenhuma cruz numa folha de papel pode legitimar, que não depende de votos ou promessas e que continuará depois das eleições de 2006.

Enquanto a República e os nossos compatriotas não perceberem isto, enquanto não perceberem que uma Nação não se explica e que o patriotismo vai para além de torcer por 10 “tugas” e dois brasileiros no Euro 2004, os “portugueses” de Malaca continuarão sem perceber o que é que se passa. Talvez um dia venhamos a compreender que na Malaca existem homens que sentem saudades de uma forma muito portuguesa de ser e de estar e que há mais “portugueses” com muitas aspas, na selecção nacional de futebol do que em todo o território de Malaca. Nós ficamos satisfeitos de saber que, nem que seja na Malaca, em pleno reino da Malásia, ainda há Portugueses, sem aspas e com P maiúsculo!

Imagem: Mapa datado de 1750 representando a cidade e a fortaleza de Malaca



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