Arautos d'El-Rei | Homenagem aos Mortos do Ultramar
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Homenagem aos Mortos do Ultramar

Discurso proferido pelo Tenente-Coronel Piloto-Aviador João José Brandão Ferreira no jantar de promoção do Monumento aos Mortos da Guerra do Ultramar

Porto, 26 de Março de 2010

    As últimas campanhas militares ultramarinas portuguesas – ultramarinas porque se desenrolaram em terras onde os portugueses se estabeleceram além-mar – tiveram início no Estado Português da Índia, em 1954, quando se reforçou aquele território militarmente, por a ameaça assim o justificar. Continuaram em Angola com o deflagrar do terrorismo, em 1961, e na Guiné e Moçambique, respectivamente em 1963 e 1964, com o início da guerrilha. Pelo caminho ficou a mesquinha ocupação da fortaleza de S. João Baptista de Ajudá, pelo Daomé, em 1 de Agosto de 1961 – facto de que já ninguém se deve lembrar – e o reforço de todos os restantes territórios, como precaução, havendo a registar uma séria alteração da ordem pública, em Macau, em 1966, no auge da revolução cultural maoista.

    Directa ou indirectamente ligados a todos estes eventos, foi ainda necessário intervir ou fazer face aos acontecimentos resultantes da secessão do Catanga, entre 1960 e 1963, à guerra do Biafra, entre 1967 e 1970 e ao bloqueio do canal da Beira, por parte da Inglaterra a partir de Janeiro de 1966, na sequência da independência unilateral da Rodésia. Na Metrópole europeia teve ainda que se fazer frente, a partir dos anos 70, a um conjunto de atentados violentos e propaganda subversiva, por parte de algumas organizações clandestinas de orientação comunista e que visavam protestar e prejudicar objectivamente o esforço de guerra em que a nação estava empenhada.
    A soberania portuguesa terminou de forma dramática em Goa, Damão e Diu, em 19 de Dezembro de 1961, após ocupação “manu militari” do nosso território, por parte da União Indiana, resultante de uma vergonhosa invasão militar, sem declaração de guerra, à revelia do Direito Internacional e do normal convívio entre povos do século XX, e sem que a mais pequena réstia de razão o justificasse. Malditos sejam os que tal acto instigaram e executaram e para sempre assim fiquem!
    A luta nas restantes frentes desenrolou-se, vitoriosamente, em termos de guerra de guerrilha de baixa intensidade, até que os acontecimentos ocorridos em Lisboa, em 25 de Abril de 1974, quebraram psicologicamente a vontade de continuar a luta.
    A extrema incompetência e ingenuidade com que actuaram os autores do golpe de Estado então ocorrido, fez com que rapidamente o poder caísse na rua; lançou o país no caos político, económico, social e financeiro, quebrou a disciplina e a confiança nas FAs e fez desmoronar todo o aparelho político/ militar nas quatro partes do mundo onde flutuava a bandeira das quinas. O resultado foi a outorga do poder às forças marxistas – e só a essas – do poder político em todo o Ultramar de uma forma atrabiliária, o que impediu qualquer tipo de autodeterminação minimamente organizada e que respeitasse fosse o que fosse. As independências surgiram assim, de qualquer maneira e em catadupa, por todo o ano de 1975 o que resultou, durante décadas, nas abominações mais indescritíveis. Macau foi excepção a esta débacle, não porque o desvario que corria em Lisboa o quisesse, mas porque a China milenar impôs a sabedoria dos antigos.
    Na parte europeia de Portugal, chegou-se nesse ano às portas da guerra civil, evitada “in extremis” por alturas de 25 de Novembro. Timor ficou ainda a pairar como uma chaga viva na consciência nacional, durante os anos que durou a ocupação indonésia, ocupação essa de que nós fomos, senão os únicos, pelo menos os principais responsáveis. O que se passou por causa disso, na sociedade portuguesa assemelhou-se a uma catarse de expiação de culpas, colectiva.
    O período histórico em que tudo isto se passou, entre Abril de 74 e Novembro de 75, foi um tempo muito curto, mas olhando para toda a História de Portugal, não vislumbro nenhum outro de tanta ignomínia e que tantos danos causasse.
    Assim regressámos às fronteiras medievais europeias sem lustre e sem glória, depois de uma debandada de pé descalço – como lhe chamou o insuspeito António José Saraiva.
    A Nação dos portugueses não merecia que as coisas se tivessem passado desta maneira.
    Muito menos o cerca de milhão de homens que combateram abnegadamente nos quatro continentes e mares em que o território nacional de então se espalhava e que carinhosamente foram apelidados de os “melhores de todos nós”.
    Não mereciam estes, nem os anteriores que lutaram por ideias e interesses que fazem parte da matriz nacional portuguesa desde a Primeira Dinastia e que objectivamente combateram durante 600 anos – tantos quanto durou a diáspora portuguesa. Esta é a primeira reflexão que vos proponho: nós não andávamos nisto há meia dúzia de dias, não o fizemos de ânimo leve e tal nunca teve a ver com regimes, pessoas, interesses de grupo ou sistemas políticos. Não foi uma ideia de um qualquer rei louco, de corsários ou aventureiros, de “lobies” económicos ou interesses mesquinhos. Foi obra de toda a Nação – da Coroa, dos Nobres, do Clero e do Povo e teve uma ideia transcendente como referência: a globalização espiritual do império de nosso Senhor Jesus Cristo, através da Terceira Pessoa da Trindade, o Espírito Santo.
    É tudo isto e a maneira superior dos portugueses em se relacionarem com os outros povos que explica a especificidade da colonização portuguesa e o modo como organizávamos e sentíamos os nossos territórios e as gentes que sempre procurámos integrar na coroa portuguesa e não descriminar.

 
*****

    A segunda reflexão que vos queria propor tem a ver com a escala dos ataques exteriores a que Portugal foi sujeito, que desembocaram nestas companhias e que modernamente foram explicados pela falácia dos “Ventos da História”.
    Basicamente, desde o início da Nacionalidade até à perda da independência, em 1580, Portugal contou apenas com dois inimigos que se podem classificar de clássicos: a Moirama e Castela, tendo de fazer ainda frente, a partir do século XV, à guerra de corso movida principalmente por franceses e ingleses.
    Porém, a partir do domínio filipino, Portugal veio a herdar todos os inimigos da coroa espanhola, pelo simples facto de Filipe I como Rei de Espanha não poder estar em guerra com vários países e como Rei de Portugal, poder gozar a paz. E foi assim que passámos a ser atacados por povos do centro e norte da Europa. Os judeus, que tinham sido bem tratados em Portugal até D. Manuel I, passaram a guardar inimizade a Portugal após a sua expulsão, em 1496 e posterior perseguição pela Inquisição. No século XX, a URSS tornou-se nossa inimiga política, por razões ideológicas e nunca perdoou ao Estado português o facto de ter ajudado a derrotar as forças republicanas durante a guerra civil espanhola. Isto significa o empenho que colocou no apoio à auto- determinação dos povos e o anti-colonialismo (leia-se dos povos que estavam debaixo do domínio político das nações da Europa Ocidental e apenas dessas) – e entre estas estavam englobados os territórios portugueses. Conceito este que tinha sido posto em marcha após o fim da II Guerra Mundial e do início da Guerra Fria, de que passou a ser uma forma indirecta de a travar. A este desiderato juntaram-se os EUA, a fim de tentarem subtrair os novos estados ao controlo da União Soviética, ganharem acesso a fontes de matérias-primas e por preconceito político/social, já que eles próprios tinham sido uma colónia.
    Chamaram a isto os “Ventos da História”, que tinham muito mais a ver com a substituição de soberanias do que com a auto-determinação dos povos. E hão de V.Exas. fazer o favor de reparar, que os ventos da história, são sempre soprados por quem tem o poder na altura, no sentido dos seus interesses e não por causa dos eventuais princípios filantrópicos que proclamam. Portugal tem sido amiúde vítima, destes “ventos”, por uma razão muito simples: as grandes potências do mundo jamais perdoaram que uma pequena potência como Portugal, se tenha alcandorado a tal grandeza histórica e territorial e sempre que puderam, aproveitaram-se das circunstâncias para nos degradar. Foi isso mais uma vez que aconteceu no Ultramar a partir de 1954, e já é tempo de nós todos termos noção da realidade dos factos e não dos mitos e falácias que nos quiseram e querem vender.
    Portugal tinha, ao tempo em que começaram a ocorrer os eventos que descrevemos, poder efectivo – político, diplomático, económico, financeiro, psicológico e militar. Vivia uma paz social e dispunha de uma liderança forte, patriótica e competente, que se dispôs, altaneira, a defender as suas gentes e património e a vender cara a pele. Nenhum bom português pode condenar esta atitude.
    E foi assim que cerca de um milhão de homens foi ocupar sucessivamente os seus postos de combate, naquilo que constituiu, sem sombra de dúvidas, a melhor campanha efectuada desde os tempos do senhor Dom Afonso de Albuquerque, chegando-se a combater simultaneamente em três teatros de operações de uma extensão enorme, separados entre eles e a Metrópole – que era a base logística principal – por milhares de quilómetros, sem generais ou almirantes importados – o que já não sucedia, note-se, desde Alcácer Quibir
e fazendo-o vitoriosamente com a excepção já referida do Estado da Índia, devido à esmagadora desproporção de forças em presença. Mesmo assim fizemos frente com sucesso a 10 anos de malfeitorias da União Indiana. Não foi coisa de somenos!
    Todo este esforço foi feito sem qualquer disrupção política, social ou financeira; mantendo-se o desenvolvimento económico sempre a subir e de forma sustentável, em todos os territórios do Minho a Timor; sem qualquer tipo de ruptura logística, casos de indisciplina notórios e com uma taxa de desertores (incluindo as tropas negras), que não encontra paralelo em nenhuma campanha contemporânea.
    Até ao 25 de Abril de 1974, os batalhões embarcaram todos completos e em boa ordem de marcha!…. E lembro que antes de embarcarem, permitia-se que os militares fossem a casa despedir-se dos familiares durante 10 dias …
    Foi pois todo um povo irmanado de um mesmo ideal e sentir, que aguentou firme e estoicamente, anos e anos de campanhas e sacrifícios. E se eram os combatentes que na linha da frente aguentavam os embates da guerrilha, eram as suas famílias que na retaguarda, suportaram os sacrifícios e a incerteza que as frentes de combate implicavam. Neste âmbito há que fazer uma menção especial às mulheres portuguesas.
    Se é certo que aos expedicionários cabia sofrer as agruras da campanha, que não poucas vezes lhes causavam ferimentos ou a própria morte, foi a mulher portuguesa que desde a expedição a Ceuta, em 1415, aguentou a retaguarda, tratou da casa, criou os filhos e passou toda a sorte de infortúnios para que a gesta se cumprisse. É ela que verdadeiramente cria e justifica a palavra “saudade” e foram as suas lágrimas que salgaram o mar português.
    Algumas se destacam: mulheres como Filipa de Vilhena e Mariana de Lencastre, que armaram elas próprias os filhos cavaleiros e os incentivaram a defender a Pátria. As mulheres de Diu que, atrás das pedras da fortaleza, obraram prodigios, ajudaram a aguentar dois terriveis cercos, tratando dos feridos, transportando armas e munições, municiando espingardas, etc. E as mulheres de S. Aleixo da Restauração que, mesmo correndo o risco de ficarem sepultadas debaixo dos escombros da igreja, motivaram os homens a resistir.
    Foram estes e outros exemplos que perduraram nas mulheres do terceiro quartel do século XX e que permitiram que as famílias se mantivessem coesas na defesa dessa família maior que é a Nação dos Portugueses!
    Para elas vai a minha homenagem!

*****

    Em boa hora, pois, um grupo de cidadãos patriotas pretende erigir um monumento que perpetue a memória dos combatentes, na segunda cidade do País, 35 anos depois das campanhas terem terminado e os centuriões regressado a casa.
     E esta é a última reflexão que vos quero colocar, porquê só 35 anos depois?
    A resposta sendo triste e dolorosa é simples de dar. Mas eu tenho de a dar.
    A Pátria não se tem mostrado agradecida porque está de mal com ela própria…
    As forças políticas que saíram vitoriosas daquilo que era para ser um golpe de Estado e virou revolução sem rei nem roque, eivadas de ideias erradas e anti nacionais, fizeram seu o ideário político dos até então inimigos da nação portuguesa – fazendo crer que eram apenas inimigos do estado português – sanearam quem se lhes opunha e intimidaram a restante população. Quem não concordava, não conseguiu, quis ou soube, fazer frente a tudo isto. Depois iniciaram um processo de lavagem ao cérebro onde participaram muitos desertores, repatriados e refugiados políticos, de modo a fazer crer que a acção dos portugueses tinha sido criminosa; que os combatentes andaram a defender o imperialismo, o fascismo, o colonialismo e outros “ismos” que eles tinham metidos na cabeça mas colados com cuspo, arrumando-os na prateleira da ignominia histórica. E decretaram, liminarmente e sem direito a contraditório, que a guerra que travámos era injusta! O condicionalismo psicológico foi enorme e de omnipresente nos “média”, no discurso político, na literatura e artes plásticas, passou para os livros da escola.
    Um vento mau assolou o país e – por que não dizê-lo – uma onda de cobardia também o varreu.
    Por isso, só muito lentamente a população tem estado a acordar das mentiras em que a enlearam e cujos efeitos morais e materiais estão hoje à vista de todos.
    Este monumento, que queremos rapidamente ver erigido, é um momento desta reacção. E é preciso gritar bem alto que os combatentes portugueses de então o merecem, que fizeram uma guerra justa, pois actuaram em legítima defesa e proporcionadamente e além de justa, limpa, com pouquíssimas quebras na ética militar. Foram, generalizadamente, humanos e usufruindo de meios materiais pouco sofisticados. E podem justamente orgulhar-se, de para lá de legitimamente defenderem territórios e gentes herdadas dos seus antepassados e que eram incontestavelmente portugueses – nossos! – ajudaram ao desenvolvimento dos mesmos, o que ultrapassou tudo o que se fez nos quatro séculos anteriores.
    Divisava-se, assim, a formação de uma sociedade multi-racial e pluricontinental, que vivia em harmonia, única no mundo e que constituía e constitui um dos mais altos ideais da Humanidade. Era um Ideal digno dos nossos maiores de que justamente devemos estar orgulhosos. E o facto de não se ter conseguido fazê-lo perseverar, não invalida o que atrás se disse.
    Caros compatriotas, está na hora de afirmar a verdade histórica e as boas intenções e repudiar a mentira e os mentirosos. Há que separar águas e voltar à matriz original portuguesa.
    Os “ventos da História”não foram erradicados e podem voltar a soprar contra nós de novo. Não sei até se o deixaram de fazer…Há que estar preparado e nunca, mas nunca, baixar as guardas! Lembro apenas que, presentemente, nos querem esbulhar do nosso mar, da nossa ZEE.
    É mister terminar.
    Curvando-me comovido e grato perante a memória dos nossos combatentes, apenas posso solicitar um grande e merecido viva para os soldados, marinheiros e aviadores da nossa terra e um grande viva a Portugal.

João José Brandão Ferreira
TCorPilAv (Ref.)
Foto: O Tenente-Coronel Brandão Ferreira não hesitou em sair do “politicamente correcto” para afirmar que a Guerra do Ultramar foi inteiramente justa porque Portugal tinha um legítimo e incontestável direito de soberania sobre os seus territórios de África. Veja a sua intervenção no programa “Prós e Contras“.




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