
17 Jun Acordo Ortográfico: não existe obrigação de obediência
No reparo de 16 de Abril abordei o tema da implementação do novo Acordo Ortográfico de 1990. Dada a enorme polémica que esta questão continua a suscitar, decidi retomar hoje este assunto.
Como certamente se aperceberam, foi amplamente noticiado que no dia 13 de Maio terminava o prazo de transição para a aplicação obrigatória do chamado Acordo Ortográfico.
Com efeito, segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros, 13 de Maio era a data que marcava o fim do referido prazo.
Ora, de acordo com a opinião do jurista Ivo Miguel Barroso, Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e presença assídua em vários fóruns e debates sobre o AO de 1990, não é exactamente assim. Segundo uma notícia publicada dia 9 de Maio pela Agência Lusa, Ivo Barroso discorda do referido prazo, afirmando, e passo a citar: “Já tive ocasião de escrever, por várias vezes, desde 2013, que o prazo de transição de seis anos (que é uma reserva ao Tratado do AO90) não pode começar a ser contado a partir da data do depósito, mas sim da data de publicação do depósito em Diário da República, pois é susceptível de afectar os cidadãos, e que o início do prazo de transição só sucedeu em 17 de Setembro de 2010”.
Num artigo jurídico publicado na revista “O Direito”, Ivo Barroso defende que o prazo de transição só termina em 22 de Setembro de 2016.
Ainda segundo a notícia da Lusa, o “jurista aponta ‘várias normas do Acordo Ortográfico de inconstitucionalidade material’, assim como as normas da Resolução do Conselho de Ministros nº 8/2011, que determinou a aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa no sistema educativo português, no ano lectivo de 2011/2012”.
Ivo Barroso considera ainda que a “imposição total do AO90 em toda a sociedade civil seria inconstitucional a vários títulos, além de ser a expressão de um desígnio totalitário, incompatível com a democracia ocidental”. Ivo Barroso considera assim que não existe “obrigação de obediência, existe ao invés, o dever de desobediência por parte das entidades públicas” quanto ao uso da nova ortografia.
Para compreender melhor a enorme polémica em torno deste assunto, sugiro-lhe a leitura, no site do Público, do artigo “Pela não “aplicação” do “Acordo Ortográfico” de 1990 aos exames nacionais” onde o jurista afirma e cito: “Os Professores, os Correctores dos exames, não podem ser compelidos a “aplicar” normas manifestamente inconstitucionais”.
Continua a ser enorme o coro de protestos contra a aplicação do novo Acordo Ortográfico, abrangendo todo o espectro político-partidário e as mais diversas áreas socioprofissionais.
Exemplo disso são as palavras de Miguel Sousa Tavares a propósito do novo AO: “O Acordo Ortográfico foi negociado em segredo, foi introduzido à socapa como facto consumado, foi imposto à força contra a contestação geral e, finalmente, foi ratificado ilegalmente. Não só não resolveu nenhuma das coisas que supostamente queria resolver como praticamente agravou todas. Criou contradições e coisas verdadeiramente anedóticas. Nos documentos públicos, no ensino público e até na própria imprensa há partes do Acordo que são facultativas e outras que não são – a cacofonia é total e absoluta.”
A terminar, recordo-lhe que ontem, aproximadamente 90% dos telespectadores do programa Opinião Pública da SIC, quando questionados num inquérito se já tinham começado a escrever em conformidade com as novas regras responderam que não, o que demonstra bem a total falta de adesão da população portuguesa à imposição do novo Acordo Ortográfico.
José Filipe Sepúlveda da Fonseca
Crónica Semanal para a Rádio Universidade FM de Vila Real, 14-5-2015