Arautos d'El-Rei | Resistência aos graves erros da Exortação Apostólica «Querida Amazónia», do Papa Francisco
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Resistência aos graves erros da Exortação Apostólica «Querida Amazónia», do Papa Francisco

3 de Março de 2020 | Luiz Sérgio Solimeo

O Papa Francisco «consagrou» o Sínodo da Amazónia a São Francisco de Assis (Foto ANSA)

A 2 de Fevereiro, o Papa Francisco finalmente tornou pública a Exortação Apostólica pós-sinodal Querida Amazónia. Era aguardada com expectativa e alegria por aqueles que procuram uma Igreja nova e dessacralizada, mas com preocupação por aqueles que a amam.

Não foram condenados os erros nos documentos preparatórios do Sínodo

Querida Amazónia não corrigiu nem condenou os graves erros dos documentos preparatórios do Sínodo, tanto o Instrumentum Laboris [1] como o Documento Final, intitulado A Amazónia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral [2]. Em vez disso, a Exortação Apostólica reteve a inspiração desses documentos, nomeadamente o evolucionismo panteísta da heresia modernista e o pensamento do Padre Teilhard de Chardin, SJ.
Consequentemente, são válidas as sérias críticas dos cardeais e bispos que denunciaram no Instrumentum Laboris a existência de heresias e de panteísmo implícito [3].

Querida Amazónia cita poetas mas omite Doutores da Igreja

Querida Amazónia não cita Padres nem Doutores da Igreja [4] como seria de esperar num documento pontifício. Em vez disso, destaca escritores e poetas comunistas, o que torna quase surreal o documento pontifício [5].
Por outro lado, Querida Amazónia atribui aos povos indígenas da Amazónia crenças e costumes que eles não têm e que pertencem aos nativos de outras regiões. Tal é o caso, por exemplo, da «deusa» Pachamama que se tornou símbolo do Sínodo da Amazónia apesar de não ser cultuada pelos povos dessa região mas pelos das montanhas dos Andes [6].

Amazónia fictícia

Tal como o próprio Sínodo dos Bispos para a região Pan-Amazónica, a Exortação Apostólica Pós-Sinodal do Papa Francisco  ̶  Querida Amazónia  ̶  não trata da região amazónica tal como ela é. Pelo contrário, a exortação sonha com uma utopia, com «um lugar ou estado imaginário em que tudo é perfeito»[7], chamando-lhe Amazónia.

Tal como o «bom selvagem» sonhado pela filosofia do Iluminismo do século XVIII, os habitantes da Querida Amazónia são também fictícios: Indígenas perfeitos, puros e sábios que vivem em contacto directo com uma Natureza imaculada, num mundo onde tanto a selva como as tribos não sofreram ainda a «corrupção» do progresso e da civilização.
Vale a pena explorar um pouco mais o mito do «bom selvagem», considerando que ele está impregnado em todos os documentos do Sínodo Pan-Amazónico e no próprio Sínodo, constituindo uma das chaves para se compreender a Querida Amazónia.

Querida Amazónia e o «bom selvagem» de Rousseau

Escrevendo em 2004 sobre o mito do bom selvagem, a professora canadiana Jany Boulanger apresenta interessantes perspectivas sobre o tema:
«Livre, sensual, polígamo, comunista e bom: estas são as características comuns, altamente caricaturadas, dos habitantes deste “melhor de todos os mundos”. … Sem dúvida, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) é reconhecido como aquele que mais partilhou este mito, defendendo essa ideia que percorre a maior parte da sua obra: “A natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade tornou-o depravado e miserável”».
Para Rousseau, a civilização e a propriedade privada são más. E prossegue a Profª. Boulanger: «No seu ensaio filosófico Discours sur les sciences et les arts (1750) e Discours sur l’origine et les fondements de l’inégalité parmi les hommes (1755), Rousseau afirma que o estado primitivo do homem o conduz à virtude e felicidade porque a sua própria ignorância do mal o impede de o espalhar. O desenvolvimento do seu intelecto e a sua busca de luxo, propriedade e poder, encorajados pelas instituições sociais, são os factores que expulsam o homem de um paraíso possivelmente mais próximo da Natureza» [8].

Querida Amazónia e «Sabedoria» aborígene

Assim também é para a Querida Amazónia. Para o Papa Francisco, os assim chamados povos naturais da Amazónia não foram «corrompidos» pelas instituições sociais. Eles preservaram uma «sabedoria ancestral» que devem transmitir ao mundo civilizado. Além disso, essa «sabedoria» deve impregnar a «inculturação evangélica» na região amazónica.
A exortação Querida Amazónia cita um conjunto de frases que ilustram o papel decisivo atribuído à alegada sabedoria ancestral dos nativos:
«A sabedoria do estilo de vida dos povos nativos (nº 22).
A integração na vida urbana veio «perturbar a transmissão cultural de uma sabedoria que, durante séculos, foi passando de geração em geração» (nº 30).
«Mesmo hoje, vemos na região da Amazónia milhares de comunidades indígenas… Os diferentes grupos, em síntese vital com o ambiente circundante, desenvolvem uma forma peculiar de sabedoria» (nº 32).
«Durante séculos, os povos amazónicos transmitiram a sua sabedoria cultural, oralmente, através de mitos, lendas e narrações» (nº 34).
«A sabedoria dos povos nativos da Amazónia “inspira cuidado e respeito pela criação, com clara consciência dos seus limites, proibindo o seu abuso”» (nº 42).
«Para cuidar da Amazónia, é bom conjugar a sabedoria ancestral com os conhecimentos técnicos contemporâneos, mas procurando sempre intervir no território de forma sustentável, preservando ao mesmo tempo o estilo de vida e os sistemas de valores dos habitantes» (nº 51).
«Para conseguir uma renovada inculturação do Evangelho na Amazónia, a Igreja precisa de escutar a sua sabedoria ancestral» (nº 70).
«Enquanto lutamos por eles e com eles, somos chamados “a ser seus amigos, a escutá-los, a compreendê-los e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles [103] . Os habitantes das cidades precisam de apreciar esta sabedoria e deixar-se “reeducar”» (nº 72).

A graça «pressupõe cultura»?

O conceito de «sabedoria ancestral» indígena é um dos pontos centrais da Querida Amazónia. De onde vem esta assim chamada sabedoria? Qual é a sua natureza? A exortação papal afirma que foi supostamente transmitida «oralmente, através de mitos, lendas e narrações.» No entanto, nada diz sobre a sua origem e natureza. Essa «sabedoria misteriosa» é de origem natural ou sobrenatural? É resultado da graça ou de revelação primitiva? Uma vez que o Papa Francisco afirma que esta «sabedoria ancestral» deveria «inculturar» a Igreja, então parece que ele a considera de origem divina, imanente no homem. Isto é também o que defende a heresia modernista [9].
O termo «inculturação» é usado vinte vezes na Querida Amazónia. Faz parceria, por assim dizer, com o mito da «sabedoria ancestral». Mas se os nativos já possuem sabedoria e bondade («a bondade que já existe nas culturas amazónicas» – nº 66), então o papel da Igreja não consiste em convertê-los. Em vez disso, a Igreja «recebe-a e leva-a [essa suposta bondade] à plenitude da luz do Evangelho» (nº 66).

A Exortação Apostólica exagera o papel da cultura, usando o termo quarenta e cinco vezes. Apela urgentemente ao diálogo e à compreensão das «sensibilidades e culturas amazónicas a partir de dentro» (nº 86). Mas o Papa Francisco vai mais longe ao mudar o clássico axioma teológico segundo o qual «a graça pressupõe natureza» [10] para afirmar que «a graça pressupõe cultura» (nº 68) [11].
De acordo com a definição clássica, a graça é «um dom sobrenatural de Deus às criaturas intelectuais (homens, anjos) para a sua salvação eterna, quer esta última seja promovida e alcançada por actos salutares ou por um estado de santidade.» [12] Assim «apenas uma natureza racional ou intelectual é susceptível à graça, uma vez que é por meio dela que a criatura racional é conduzida à sua perfeição última, que consiste na visão da essência de Deus (visio beatifica)» [13].
Ao asseverar que a graça «pressupõe cultura», as naturezas humana e angélica são confundidas ou identificadas com cultura, o que se reveste de carácter panteísta.

Inculturar a Igreja com «sabedoria ancestral»

Se a graça pressupõe cultura, então significa que a Querida Amazónia quer inculturar o Evangelho na «sabedoria ancestral» dos nativos.
Com efeito, lê-se na exortação: Para que a Igreja alcance uma inculturação renovada do Evangelho na região amazónica, ela precisa de ouvir a sua sabedoria ancestral, ouvir uma vez mais a voz dos seus anciãos, reconhecer os valores presentes no modo de vida das comunidades nativas e recuperar as ricas histórias dos seus povos. Na região amazónica herdámos grandes riquezas das culturas pré-colombianas. Estas incluem «abertura à acção de Deus, sentido de gratidão pelos frutos da terra, carácter sagrado da vida humana e estima pela família, sentido de solidariedade e responsabilidade partilhada no trabalho comum, importância do culto, crença numa vida para além desta e muitos outros valores (nº 70) [14].

Esta «sabedoria ancestral» dos aborígenes amazónicos com os quais o Papa Francisco quer inculturar o Evangelho inclui a prática do canibalismo e da poligamia [15]. Sabendo que treze grupos étnicos da região amazónica ainda praticam o infanticídio, com algum apoio do Conselho Missionário Indígena do Brasil [16], torna-se impossível conciliar estas práticas com o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Seguindo os passos de Teilhard de Chardin

Como parte desta inculturação da Igreja com «cultura» indígena, a exortação Querida Amazónia tem partes que evocam o evolucionismo panteísta do P. Teilhard de Chardin, SJ, o chamado místico do «Cristo cósmico» [18].
A Exortação Apostólica afirma que «os povos indígenas da Região Amazónica expressam a autêntica qualidade de vida como “boa vida”’. Isto envolve … harmonia comunitária e cósmica» (nº 71). Querida Amazónia passa então a esta tirada teilhardiana de sabor panteísta:
“Certamente, devemos estimar o misticismo indígena que vê a interligação e interdependência de toda a criação, o misticismo da gratuidade que ama a vida como um dom, o misticismo de uma maravilha sagrada perante a natureza e todas as suas formas de vida.
Ao mesmo tempo, porém, somos chamados a transformar esta relação com Deus presente no cosmos numa relação cada vez mais pessoal com um «Tu» que sustenta as nossas vidas e quer dar-lhes um sentido, um «Tu» que nos conhece e nos ama (nº 73).”
Querida Amazónia continua, citando a encíclica teilhardiana do Papa Francisco Laudato Si‘: «Do mesmo modo, uma relação com Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, libertador e redentor, não é contrária à visão do mundo marcadamente cósmica que caracteriza os povos indígenas, uma vez que ele é também o Senhor Ressuscitado que impregna todas as coisas. … O Filho de Deus incorporou na sua pessoa uma parte do mundo material, plantando nele uma semente de transformação definitiva» (nº 74).

Citando mais uma vez Laudato Si’, a Exortação Apostólica afirma:
“A inculturação da espiritualidade cristã nas culturas dos povos indígenas pode beneficiar particularmente dos sacramentos, uma vez que estes unem o divino e o cósmico, a graça e a criação. Na região amazónica, os sacramentos não devem ser vistos em descontinuidade com a criação. São «uma forma privilegiada em que a natureza é assumida por Deus para se tornar um meio de mediação da vida sobrenatural». São a realização da criação, na qual a natureza é elevada para se tornar um local e instrumento de graça, permitindo-nos «abraçar o mundo num plano diferente» (nº 81).
Ainda citando Laudato Si’, o documento sugere que a matéria é divinizada e apresenta a Eucaristia como um «fragmento de matéria»: «Na Eucaristia, Deus, “no auge do mistério da Encarnação, escolheu alcançar as nossas profundezas íntimas através de um fragmento de matéria”. A Eucaristia “une céu e terra; ela abraça e penetra toda a criação”» (nº 82).
Torna-se evidente nestas passagens, talvez mais do que noutros textos, como o novo documento do Papa Francisco explora a Amazónia e os seus povos indígenas, utilizando-os como mero pretexto para espalhar o panteísmo cósmico evolutivo.

O culto à «Pachamama» irá fazer parte de uma liturgia inculturada?

A exortação explica a inculturação da liturgia: «”Encontrar Deus não significa fugir deste mundo ou virar as costas à natureza”. Significa que podemos retomar na liturgia muitos elementos próprios da experiência dos povos indígenas no seu contacto com a natureza e respeitar as formas de expressão nativas no canto, dança, rituais, gestos, e símbolos. O Concílio Vaticano II apelou a este esforço para inculturar a liturgia entre os povos indígenas” (nº 82).
Uma ilustração reveladora de como fazer esta inculturação amazónica em cerimónias eclesiásticas foi a adoração da deusa Pachamama (Mãe Terra) feita a 4 de Outubro de 2019, nos jardins do Vaticano e depois na Basílica de São Pedro, numa procissão com dois bispos carregando o ídolo numa canoa alegórica, desde a Basílica até ao salão onde os padres sinodais se reuniram. O Papa Francisco esteve presente em todas estas ocasiões e na primeira delas deu a bênção ao ídolo Pachamama [19].

Na exortação Querida Amazónia, o Papa Francisco procura justificar todas estas cerimónias prestando culto à «deusa» Pachamama [20]: «É possível adoptar de alguma forma um símbolo indígena, sem o considerar necessariamente como idolatria. Um mito cheio de significado espiritual pode ser vantajosamente usado e nem sempre considerado como erro pagão» (nº 79).
Querida Amazónia também reitera o laxismo moral de Amoris Laetitia: «A Igreja deve estar particularmente preocupada em oferecer compreensão, conforto e aceitação, em vez de impor de imediato um conjunto de regras que apenas levam as pessoas a sentirem-se julgadas e abandonadas pela própria Mãe chamada a mostrar-lhes a misericórdia de Deus» (n.º 84).

Não é vitória para os conservadores

Como a Querida Amazónia não trata da ordenação sacerdotal de homens casados (viri probati) ou de mulheres diaconisas, alguns conservadores acham que isso é uma vitória. É verdade que muitos católicos progressistas estavam ansiosos por esse passo e que o Documento Final clamava por ele. Portanto, em certo sentido, pode dizer-se que a omissão foi uma vitória conservadora. No entanto, como veremos abaixo, não foi uma verdadeira vitória, mas uma vitória pírrica [21]. O Papa Francisco transcendeu a questão, abordando-a num plano muito mais elevado e de uma forma devastadora. A triste verdade é que a Querida Amazónia aponta para uma mudança no ministério sacerdotal e para a liturgia, alcançando na prática os mesmos resultados, sem parecer que o faz. Esta mudança subversiva está em linha com a nova compreensão da graça e dos sacramentos da Igreja.
Para os progressistas, Querida Amazónia aponta o caminho a seguir sob a forma de uma pergunta retórica: «A inculturação deve também reflectir-se cada vez mais numa forma encarnada de organização e ministério eclesial. Se queremos inculturar a espiritualidade, a santidade e o próprio Evangelho, como não considerar uma inculturação das formas como estruturamos e realizamos os ministérios eclesiais?» (nº 85).

É verdade que o documento afirma que só um padre ordenado pode consagrar e «presidir à Eucaristia» (ver nos. 86-90). Contudo, também diz que a inculturação amazónica «requer a presença estável de líderes maduros e leigos dotados de autoridade … exige que a Igreja esteja aberta à audácia do Espírito, que confie e concretamente permita o crescimento de uma cultura eclesial específica que seja distintamente secular» (nº 94).
Estes «líderes maduros e leigos» parecem-se muito com os «viri probati» do Sínodo. Uma vez que não fica claro o tipo de autoridade que receberão estes líderes masculinos ou femininos, maduros e leigos, os bispos ou conferências episcopais podem interpretá-lo como acharem conveniente. Foi o que aconteceu com os bispos de Malta e da Argentina, que interpretaram livremente a encíclica Amoris Laetitia a respeito da admissão à Sagrada Comunhão de católicos divorciados e «casados de novo» [22]. E, tal como esses bispos receberam a aprovação do Papa e essa aprovação foi proclamada magistério da Igreja e incorporada na Acta Apostolicae Sedes, assim também agora se pode prever razoavelmente que o Papa Francisco aprovará de forma semelhante estes novos passos de inculturação da «Igreja com rosto amazónico» implementados pelos bispos no Brasil, Peru, Congo, Índia ou noutros lugares.

Inculturação do ministério sacerdotal na nova igreja secular

Esta metodologia parece ainda mais provável na medida em que a Querida Amazónia, como se viu, exorta ao incentivo de «uma cultura eclesial específica que seja distintamente secular». Se, como discutido acima, «a graça pressupõe cultura» e a cultura deve ser clara e distintamente secular, não estaremos perante uma Igreja leiga em que o papel do sacerdote se reduz à consagração da Eucaristia e à absolvição dos pecados, ficando despojado de toda a autoridade e superioridade sobre os leigos não ordenados?
O Arcebispo Victor Manuel Fernandez, de La Plata (Argentina), amigo próximo, escritor-fantasma e conselheiro do Papa Francisco, fez uma observação muito importante sobre esta secularização da Igreja num artigo publicado por L’Osservatore Romano a 17 de Fevereiro de 2020 [23].

Na exortação Querida Amazónia, depois de afirmar que o Papa não fechou a porta aos padres casados, mas apenas se absteve de tratar do assunto, o arcebispo declara:
«Em qualquer caso, o sonho eclesial expressado por Francisco dá novo ímpeto à renovação da Igreja. O seu apelo à criação de uma Igreja amazónica “distintamente secular” (n.º 94) é particularmente forte. Por isso Francisco exige que os leigos sejam «dotados de autoridade» (n.º 94). Isto implica a revisão de uma forma de compreender o sacerdócio que se relaciona demasiadamente com o seu poder na comunidade. Francisco fala explicitamente sobre isto nos pontos 87 e 88, especificando que, ao se dizer que o sacerdote é um sinal de Cristo, Cabeça da Igreja, deve entender-se como fonte da graça, especialmente na Eucaristia, e não como fonte de poder. Por conseguinte, a liderança das comunidades pode ser confiada a líderes leigos dotados de autoridade que possam criar uma Igreja mais participativa.»
Na linha de uma igreja amazónica «distintamente secular», uma das razões apresentadas pelo Papa Francisco para não nomear mulheres como diaconisas está no facto de que seria «clericalismo» fazê-lo: «Isso levar-nos-ia à clericalização das mulheres, diminuiria o grande valor do que já conseguiram e subtilmente tornaria menos eficaz a sua contribuição indispensável» (nº 100).

Estágio intermediário rumo a uma nova igreja sinodal

Além disso, cumpre destacar que o Papa não assinou um documento do magistério oficial da Igreja utilizando a fórmula clássica: «Dado em Roma, Basílica de São Pedro, etc.» Ao assinar a Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazónia, o Papa Francisco utilizou uma fórmula nova e não convencional: «Dado em Roma, na Basílica de São João de Latrão…»
Este detalhe tem o seu significado. Ele assinala mais um passo para criar uma nova Igreja que já não será hierárquica nem monárquica – tendo no Papa a sua Suprema Autoridade – mas, ao invés, uma «Igreja Sinodal» igualitária, semelhante às igrejas ortodoxas cismáticas e heréticas, governadas por sínodos de bispos. Nesta nova igreja sinodal, o papa tornar-se-ia apenas o primus inter pares – o primeiro entre iguais – tendo uma primazia de honra mas não mais uma primazia de jurisdição.
De facto, enquanto a Basílica de São Pedro simboliza o poder universal do Papa (com o túmulo de São Pedro, Príncipe dos Apóstolos, na sua cripta), a Basílica de São João de Latrão é a catedral da Diocese de Roma, da qual o Papa é o bispo. Ao abandonar a fórmula clássica de assinar um documento papal «em São Pedro…», o Papa Francisco parece querer dizer que está a agir apenas como bispo de Roma, não como Papa. E faz isto num documento «sinodal» em que insiste fortemente numa «sinodalidade» da Igreja.

Nada foi corrigido e novos erros foram acrescentados

Excepto pela sua forma, o Papa Francisco não mudou nada dos documentos anteriores do Sínodo nesta nova exortação. Querida Amazónia apresenta os mesmos erros contidos no Instrumentum Laboris e no Documento Final do Sínodo. As aparências foram alteradas mas a essência continua a mesma. Pior ainda, outros erros foram acrescentados, incluindo a confusão doutrinal sobre graça e cultura, sobre os sacramentos e o ministério sacerdotal.
Dada a sua profundidade, alcance global e, principalmente, a maneira como debilita o papado e o sacerdócio, o Sínodo dos Bispos sobre a região amazónica e os seus documentos, incluindo a Exortação Apostólica Querida Amazónia, são sintomas de uma crise jamais sofrida pela Santa Igreja.
Em face desta situação, não podemos deixar de prestar especial veneração a São Pedro e a todos os papas que brilharam pela sua santidade no trono pontifício. Os erros e atitudes do Papa Francisco não devem levar ninguém ao sedevacantismo, à desvalorização do papado ou à diminuição da autoridade e poderes conferidos por Nosso Senhor a São Pedro e aos seus sucessores. Resistir aos erros do Papa Francisco não é revolta, a qual nunca seria legítima. Pelo contrário, é obediência filial. É imitar São Paulo que resistiu a São Pedro na questão dos Judaizantes (Gal. 2:11) [24].
Certos de que Nosso Senhor estará todos os dias com a Sua Igreja até ao fim dos tempos e confiando na mensagem que a Sua Mãe Santíssima nos deixou em Fátima, prometendo o triunfo do seu Imaculado Coração, cumpre-nos continuar a luta, com a graça de Deus, resistindo a qualquer infiltração de erro e mal na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica.

PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA

Tribalismo eclesiástico – Pentecostalismo

O sonho apresentado na «Querida Amazónia» sobre uma Igreja “inculturada” nos moldes tribais foi previsto pelo grande pensador católico Plinio Corrêa de Oliveira em 1976 no seu ensaio Revolução e Contra-Revolução:
«Falemos da esfera espiritual. Bem entendido, também a ela a 4ª Revolução quer reduzir ao tribalismo. E o modo de o fazer já se pode bem notar nas correntes de teólogos e canonistas que visam transformar a nobre e óssea rigidez da estrutura eclesiástica, como Nosso Senhor Jesus Cristo a instituiu e vinte séculos de vida religiosa a modelaram magnificamente, num tecido cartilaginoso, mole e amorfo, de dioceses e paróquias sem circunscrições territoriais definidas, de grupos religiosos em que a firme autoridade canónica vai sendo substituída gradualmente pelo ascendente dos “profetas” mais ou menos pentecostalistas, congéneres, eles mesmos, dos pajés do estruturalo-tribalismo, com cujas figuras acabarão por se confundir. Como também com a tribo-célula estruturalista se confundirá, necessariamente, a paróquia ou a diocese progressista-pentecostalista.» [17]

Notas
1. Sínodo Pan-Amazónico, «Instrumentum Laboris do Sínodo Amazónico»: http://www.synod.va/content/sinodoamazonico/pt/documentos/instrumentum-laboris-do-sinodo-amazonico.html 17 de Jun. 2019.
2. «Documento final do Sínodo para a Amazónia»: http://www.synod.va/content/sinodoamazonico/pt/documentos/documento-final-do-sinodo-para-a-amazonia.html (consultado em 26 de Fev. 2020).
3. Cfr. Maike Hickson, «Walter Cardinal Brandmüller: ‘”verything Is at Stake at the Amazon Synod,”» LifeSiteNews, 17 de Out. 2019, https://www.lifesitenews.com/blogs/cdl-brandmueller-everything-is-at-stake-at-the-amazon-synod; Raymond Leo Cardinal Burke and Bishop Athanasius Schneider, «A Crusade of Prayer and Fasting: To Implore God that Error and Heresy do not pervert the coming Special Assembly of the Synod of Bishops for the Pan-Amazon,» https://www.ncregister.com/images/uploads/BurkeSchneider.pdf (consultado em 26 de Fev. 2020).
4. Excepto duas referências en passant a São Tomás de Aquino que não sustentam o enquadramento teológico do documento.
5. Os poetas citados são comunistas ou socialistas: Pablo Neruda, Vinícius de Morais, Juan Carlos Galeano e Amadeu Thiago de Lello. O trabalho da poetisa Sui Yun está eivado de erotismo e desprezo pelas normas morais. Sobre este último, ver Ignacio López-Calvo, Dragões na Terra do Condor: Escrevendo Tusán no Peru (Tucson, AZ: University of Arizona Press, 2014), 144.
6. «Pachamama é uma deusa cultuada pelos povos indígenas dos Andes. É também conhecida como mãe da terra e do tempo. Na mitologia inca, a Pachamama é a deusa da fertilidade que preside ao plantio e às colheitas, que encarna as montanhas e provoca os terremotos.» Contribuidores da Wikipedia, «Pachamama», Wikipedia, The Free Encyclopedia, https://en.wikipedia.org/w/index.php?title=Pachamama&oldid=940223563 (consultada em 28 de Fev. 2020).
7. “Utopia,” Oxford Learner’s Dictionaries, https://www.oxfordlearnersdictionaries.com/us/definition/american_english/utopia, (consultado em 22 de Fev. 2020).
8. Jany Boulanger, “Le Mythe du bon sauvage,” Encyclopédie Syllabus – Section Littérature – le XVIIIe siècle (Cégep du Vieux Montréal), http://www.cvm.qc.ca/encephi/Syllabus/Litterature/18e/bonsauvage.htm (tradução e destaques nossos) (consultado em 17 de Fev. 2020).
9. Ver São Pio X, Encíclica Pascendi Dominici Gregis, 8 de Setembro de 1907, nº. 7, http://www.vatican.va/content/pius-x/en/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_19070908_pascendi-dominici-gregis.html.
10. Summa Theologica, I, q.2, a.2, ad 1.
11. O uso da expressão «graça pressupõe cultura», no nº 68 de Querida Amazonia, é citação do nº 115 da sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, publicada a 24 de Novembro de 2013.
12. J. Pohle, «Actual Grace», em The Catholic Encyclopedia (New York: Robert Appleton Company, 1909), extraído a 18 de Fev. de 2020 de New Advent, http://www.newadvent.org/cathen/06689x.htm.
13. Dr. Rudi de Velde, Aquinas On God: The “Divine Science” of the Summa Theologiae (Farnham, Surrey, UK: Ashgate Publishing Limited), 151.
14. Excepto indicação em contrário, os destaques são nossos.
15. Marta Iansen, «A Poligamia Entre Indígenas (E Como os Missionários Jesuítas Lidavam com ela)», História & Outras Histórias, 9 de Set. 2016, https://martaiansen.blogspot.com/2016/09/poligamia-entre-indigenas.html; Giovana Sanchez, «Como eram os rituais de canibalismo dos índios brasileiros?» Super Interessante, 22 de Nov. 2018, https://super.abril.com.br/historia/como-eram-os-rituais-de-canibalismo-dos-indios-brasileiros/.
16. «Tradição indígena faz pais tirarem a vida de crianças com deficiência física: A prática acontece em pelos menos 13 etnias indígenas do Brasil. Uma tradição comum antes mesmo de o homem branco chegar ao país», O Globo-Fantástico, 7 de Dez. 2014, http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/12/tradicao-indigena-faz-pais-tirarem-vida-de-crianca-com-deficiencia-fisica.html; Sandro Magister, “Infanticide in the Amazon: There Are Those Who Defend It, Even in the Church,” L’Espresso-Settimo Cielo, Oct. 9, 2019, http://magister.blogautore.espresso.repubblica.it/2019/10/09/infanticide-in-the-amazon-there-are-those-who-defend-it-even-in-the-church/; Ana Paula Boni, “Infanticídio põe em xeque respeito à tradição indígena,” Folha de S. Paulo, 6 de Abr. 2008, https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0604200811.htm; Rita Segato, “Que Cada Povo Trame os Fios da Sua História,” Conselho Indigenista Missionario, 17 de Set. 2007, https://cimi.org.br/2007/09/26510/.
17. Plinio Corrêa de Oliveira, «Revolução e Contra-Revolução», Caminhos Romanos, Porto, 2020, p.222)
18. Ver Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, «18. Notas sobre a filosofia e a teologia inaceitáveis da Laudato Si’», Bonum Certamen – Estudos e comentários sobre questões teológicas, filosóficas e afins: http://hispaniae.blogspot.com/2015/08/notas-sobre-filosofia-e-teologia.html.
19. «Video Shows Pope Francis Blessing Controversial ‘Pachamama’ Statue», LifeSiteNews no YouTube, 24 de Out. 2019, https://www.youtube.com/watch?v=2Wjdkrfj5OI; Jeanne Smits, “Cardinal Burke: ‘Diabolical forces’ Entered St. Peter’s Basilica Through Pachamama Idolatry,” LifeSiteNews, 10 de Dez. 2019, https://www.lifesitenews.com/news/cardinal-burke-diabolical-forces-entered-st-peters-basilica-through-pachamama-idolatry; Anne Kurian, “Les titres du lundi 7 octobre 2019 – L’Amazonie, c’est aussi en France: Les Amérindiens et les Afro-Américains en Guyane française,” Zenit, 7 de Out. 2019, https://fr.zenit.org/articles/les-titres-du-lundi-7-octobre-2019-lamazonie-cest-aussi-en-france/.
20. Sobre a «deusa» Pachamama, ver Juan Antonio Montes, «Pachamama, Just a Symbol or Also an Idol?» PanAmazonSynodWatch.info, 26 de Out. 2019, https://panamazonsynodwatch.info/editorial/pachamama-just-a-symbol-or-also-an-idol/.
21. «Vitória que não valeu a pena por tanto se ter perdido para se alcançar». «Pyrrhic victory» («Vitória de Pirro») Merriam-Webster https://www.merriam-webster.com/dictionary/Pyrrhic%20victory (consultado em 26 de Fev. 2020).
22. Ver Raymond J. de Souza, «With ‘Querida Amazonia,’ It’s ‘Deja Amoris’ All Over Again», National Catholic Register, 14 de Fev. 2020, https://www.ncregister.com/daily-news/with-querida-amazonia-its-deja-amoris-all-over-again.
23. Victor Manuel Fernández, Arcebispo de La Plata, «Apporti innovativi di ‘Querida Amazonia’», L’Osservatore Romano, 17 de Fev. 2020, http://www.osservatoreromano.va/it/news/apporti-innovativi-di-querida-amazonia [nossa tradução]; Ver também Maike Hickson, “Pope’s Ghostwriter, Advisor Claims Francis Blazed Path to Married Priests in Amazon Exhortation,” LifeSiteNews, 20 de Fev. 2020, https://www.lifesitenews.com/blogs/popes-ghostwriter-advisor-claims-francis-blazed-path-to-married-priests-in-amazon-exhortation.
24. «Mas quando Cephas chegou a Antioquia, eu resisti-lhe frontalmente porque ele era o culpado.» Bíblia de Douay-Reims.

Fonte do artigo original:
https://www.tfp.org/resisting-the-grave-errors-in-pope-franciss-apostolic-exhortation-querida-amazonia/



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