
20 Mai Pachamama, Papa Francisco e Pandemia
Em vários pronunciamentos recentes, o Papa Francisco sugeriu que a actual pandemia de coronavírus seria uma vingança da natureza.
Vingança da natureza?
Em entrevista concedida a 22 de Março de 2020 ao jornalista espanhol Jordi Évole, este perguntou ao Pontífice se a actual pandemia não seria um «acerto de contas da natureza» [1]. Ele respondeu com um ditado popular que frequentemente repete como um axioma teológico: «Deus perdoa sempre; nós, homens, às vezes perdoamos; a natureza nunca perdoa». E acrescentou que «a natureza está a espernear [2] para que cuidemos dela» [3].
Falando em 8 de Abril ao jornalista inglês Austen Ivereigh, do semanário católico liberal de Londres The Tablet, o Papa Francisco repetiu o mesmo refrão e, depois de comentar várias calamidades naturais, acrescentou: «Não sei se essa é a vingança da natureza, mas certamente são as respostas da natureza» [4].
“Pecámos contra a terra: precisamos de uma conversão ecológica”
O Papa Francisco voltou a repetir o referido refrão na catequese especial de 22 de Abril, por ocasião 50º Dia da «Mãe Terra», uma celebração instituída pela ONU:
«Devido ao egoísmo, falhámos na nossa responsabilidade de guardiães e administradores da Terra. […] Pecámos contra a terra […]. E como reage a Terra?[…]Deus perdoa sempre; nós, homens, às vezes; a terra nunca. A terra nunca perdoa.[…] Se deteriorarmos a terra, a resposta será terrível».
Mais adiante, declara: «Fomos nós que arruinamos a obra do Senhor!» Portanto, «ao celebrarmos hoje o Dia Mundial da Terra, somos chamados a reencontrar o sentido do respeito sagrado pela Terra, porque ela não é apenas a nossa casa, mas também a casa de Deus».
Mas, ao que parece, respeito não é suficiente: «Precisamos de uma conversão ecológica» [5]. [Ver Quadro I, abaixo]
“A natureza nunca perdoa: se lhe dermos uma bofetada, ela devolve-nos a bofetada”
Já em Janeiro de 2015, numa das suas peculiares entrevistas aeronáuticas, voando do Sri Lanka para as Filipinas [foto], quando questionado por um jornalista sobre se a mudança climática era inteiramente culpa do homem, o Papa respondeu: «Não sei se é inteiramente, mas na maioria dos casos, em larga medida, é o homem que agride a natureza, continuamente. Tornamo-nos um pouco donos da natureza, da irmã terra, da mãe terra. Recordo — vocês já ouviram isto — o que um velho camponês me disse uma vez: “Deus perdoa sempre, nós homens perdoamos por vezes, a natureza nunca perdoa”. Se lhe dermos uma bofetada, ela devolve-nos a bofetada”» [6].
Encíclica Laudato Si’: a chave para entender o pontificado do Papa Francisco
Essas e outras estranhas declarações antropomórficas do Papa Francisco — às vezes ininteligíveis e até incongruentes — adquirem significado quando lidas à luz da sua encíclica Laudato Si’.
De facto, essa encíclica dá-nos a chave para entendermos outros pronunciamentos, actos, gestos e atitudes de Francisco [7], principalmente, a Exortação Apostólica pós-sinodal Querida Amazónia [8].
A Terra tratada como ser racional
Nesses documentos, o Papa Francisco trata a terra, a natureza e o meio ambiente como se fossem seres racionais, dotados de inteligência, vontade e sensibilidade, exactamente como o ser humano.
Laudato Si’ afirma, por exemplo: «Esta irmã [a terra] clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou.» (nº 2). «Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que “geme e sofre as dores do parto” (Rom. 8, 22)» (n. 2).
Observe-se a caracterização marxista dos «pobres» como «oprimidos». A encíclica recomenda uma abordagem ecológica para «ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres» (nº 49). «Estas situações provocam os gemidos da irmã terra, que se unem aos gemidos dos abandonados do mundo, com um lamento que reclama de nós outro rumo» (nº 53).
Assim, graças a essas faculdades cognitivas e volitivas, bem como à sensibilidade, a Mãe Terra é supostamente capaz de entender o comportamento do homem em relação a ela e fazer um julgamento moral sobre os actos humanos, qualificando-os de bons ou maus. Da mesma forma, a Terra poderia sentir-se ofendida por acções humanas que ela considera más e vingar-se delas causando incêndios, inundações, devastações e pandemias como o coronavírus. [Ver Quadro II, abaixo]

O Papa Francisco prestou culto à »deusa» pagã Pachamama na Basílica de São Pedro, sede da Igreja Católica Apostólica Romana (Foto: National Catholic Reporter)
Divinização da Terra
Portanto, conceder à terra faculdades de criatura racional e colocá-la como juiz e vingadora das acções do homem, não equivale a divinizá-la?
Essa divinização da terra parece ser a base «teológica» das cerimónias de adoração do ídolo da deusa Pachamama nos Jardins do Vaticano e na Basílica de São Pedro, centro do cristianismo [Foto]. Ali, dois bispos carregaram o ídolo num andor em procissão até ao Salão do Sínodo. O Papa Francisco participou efectivamente em todas essas acções [9].
Elevação da Pachamama e destronamento do Homem
Ao divinizar a terra, o Papa Francisco mudou a doutrina tradicional da Igreja, que sempre considerou o homem como rei da criação corpórea.
O Génesis é claro a esse respeito: «Deus abençou-os [Adão e Eva]: “Frutificai, disse Ele, e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra”.» (Gênesis 1, 28).
O Pe. José F. Sagües, SJ, no seu tratado sobre Deus e a criação, diz com precisão: «A nossa afirmação […] de que o mundo existe por causa do homem e certamente para que o sirva em ordem à glorificação de Deus, é de fé divina e católica; e se se toma em relação a cada uma das coisas que existem no mundo, é verdade certa em teologia» [10].
A qualificação «de fé divina e católica» significa que esta é uma verdade revelada por Deus e proposta pela Igreja para ser crida. Negá-la é heresia [11].
O Pe. H. Pinard diz: «[…] todos os Padres [da Igreja] e os teólogos consideram o homem de facto como a coroação providencial do mundo sensível: tudo está ordenado para ele uma vez que sem ele as coisas não atingiriam a sua finalidade; a natureza não teria voz para louvar a Deus […]. O homem foi criado por último, dizem os Padres, precisamente porque convinha, antes de introduzir o rei do universo, que tudo estivesse preparado” [12].
Na encíclica Laudato Si’, contrariando o texto do Génesis e toda a tradição da Igreja, o Papa Francisco declara: «Se é verdade que nós, cristãos, algumas vezes interpretamos de forma incorrecta as Escrituras, hoje devemos decididamente rejeitar que, do facto de sermos criados à imagem de Deus e do mandato de dominarmos a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas» (n. 67).
Nos seus documentos e declarações, Francisco apresenta continuamente o homem, não como senhor da natureza e do mundo sensível (uma situação da qual ele se serve para dar glória a Deus), mas praticamente como o inverso dessa ordem. O homem deixa de ser considerado o senhor para ser visto como o servo da natureza, à qual deve submeter-se.
Pior que a pandemia do coronavírus
Com o presente pontificado, a actual crise da Igreja, que tem as suas raízes na heresia modernista e na Nouvelle Théologie, atingiu um grau inimaginável. Os seus erros e males atacam a alma mais severamente do que o coronavírus ataca o corpo, colocando em risco a salvação eterna, razão pela qual a crise da fé representa um perigo muito maior do que a actual pandemia.
Medidas sanitárias drásticas foram tomadas para mitigar a epidemia de coronavírus. No entanto, do ponto de vista espiritual, os fiéis ficaram completamente desprotegidos no momento em que mais precisam de assistência.
Ao mesmo tempo em que deificava a natureza e favorecia o culto ao ídolo Pachamama, o Papa Francisco fechava as igrejas de Roma e permitia que bispos de todo o mundo fizessem o mesmo, suspendendo as missas públicas e a distribuição dos Sacramentos.
Que outra coisa poderíamos esperar sabendo que, na encíclica Laudato Si’, o Papa Francisco se refere à Sagrada Eucaristia (Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor) como «um fragmento de matéria»? [13].
Quem tem Fé conservará a vida
São Paulo declara: «Nós não estamos entre os que recuam e perecem, mas entre os que têm fé e possuirão a vida!» (Hb 10, 39).
Confiantes na protecção maternal de Maria Santíssima, continuemos a lutar pela integridade da Fé e pela restauração da civilização cristã.
Luiz Sérgio Solimeo | 14 Maio de 2020
(Quadro I)
A TERRA: «CASA DE DEUS»?
A afirmação do Papa Francisco de que a Terra «não é apenas a nossa casa, mas também a casa de Deus» é imprecisa e pode levar a uma confusão panteísta. A doutrina católica tradicional diz que Deus, «pelo seu poder e virtude, preenche o céu e a terra, e todas as coisas nela contidas. […] Enquanto Ele mesmo não está confinado em nenhum lugar. […] Ele é, no entanto, como frequentemente é dito nas Escrituras, o que tem a Sua habitação nos céus”*.
Por exemplo, o Salmo 122,1 diz: «Levanto os olhos para Vós, que habitais nos céus» [14].
O primeiro Livro dos Reis mostra a omnipresença de Deus que não pode estar contido nos céus ou na terra: «Mas será verdade que Deus habita realmente sobre a terra? Se o céu e os céus dos céus não Vos podem conter quanto menos esta casa que edifiquei!» (1 Reis 8:27).
A oração que Nosso Senhor nos ensinou começa precisamente com esta invocação: «Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o Vosso nome» (Mt 6,9).
*Catecismo do Concílio de Trento (Catecismo Romano). IV Parte: DaOração. Capítulo IX, §18. Nova Versão Portuguesa por Frei Leopoldo Pires Martins, OFM – Serviço de Animação Eucarística Mariana, Anápolis (Goiás, Brasil): http://www.obrascatolicas.com/livros/Catecismo/Catecismo%20Romano%20Sao%20Pio%20V%20Ed%20Servico%20de%20Animacao%20Eucaristica%20Mariana.pdf
(Quadro II)
O Dia da Terra ou Dia da Mãe Terra ‒ comemorado por Francisco ‒ é uma iniciativa do movimento ecologista naturalista-panteísta que começou na década de 1970. Em 2009, a gnóstica Organização das Nações Unidas aprovou-o como uma espécie de «dia santo» civil, conforme se vê no respectivo sítio web:
«Resolução adoptada pela Assembleia Geral em 22 de Abril de 2009 [sem referência a um Comité Principal (A / 63 / L.69 e Add.1)] 63/278. Internacional […].
«Reconhecendo que a Mãe Terra é uma expressão comum para o planeta Terra em vários países e regiões e que reflecte a interdependência existente entre os seres humanos, outras espécies vivas e o planeta em que todos habitamos.
«Considerando que o Dia da Terra é comemorado todos os anos em muitos países, decide designar 22 de Abril como Dia Internacional da Mãe Terra…
(Assembleia Geral das Nações Unidas, «Resolução adoptada pela Assembleia Geral em 22 de Abril de 2009» [sem referência a um Comitê Principal (A / 63 / L.69 e Add.1)] 63/278, «Dia Internacional da Mãe Terra», 63ª Sessão, item 49 (d) da Agenda, 08-48747, 1º de Maio de 2009, https://undocs.org/A/RES/63/278).
Além disso, as Nações Unidas publicaram no seu site uma mensagem, no último Dia Internacional da Mãe Terra (22 de Abril) que segue a linha das concepções do Papa Francisco:
Quando a Mãe Terra nos envia uma mensagem
A Mãe Terra está claramente a chamar à acção. A natureza está a sofrer. Incêndios na Austrália, recorde de calor e a pior invasão de gafanhotos no Quénia. Agora, enfrentamos o COVID-19, uma pandemia de saúde mundial relacionada com a saúde do nosso ecossistema. […] Neste Dia Internacional da Mãe Terra recordemos, mais do que nunca, que precisamos mudar para uma economia mais sustentável que funcione tanto para as pessoas como para o planeta. Vamos promover a harmonia com a natureza e com a Terra.
(Nações Unidas, consultado em 6 de Maio de 2020: https://www.un.org/en/observances/earth-day ‒ Tradução nossa)
Notas:
[1] No original espanhol: «ajuste de cuentas de la naturaleza».
[2] Em espanhol: «pateando».
[3]«”Espero que los Pueblos Aprendan la Crise para Revisar Sus Vidas”, disse o Papa a Jordi Évole», Religión en Libertad, 23 de Março de 2020: https://www.religionenlibertad.com/noticias/197972338/Espero-que-los-pueblos-aprendan-de-la-crisis-para-revisar-sus-vidas-dice-el-Papa-a-Jordi-Evole.html. (Todos os destaques são nossos).
[4] Austen Ivereigh, «Pope Francis Says Pandemic Can Be a “Place of Conversion”» The Tablet, 8 de Abr. 2020: https://www.thetablet.co.uk/features/2/17845/pope-francis-says-pandemic-can-be-a-place-of-conversion.
[5] Papa Francisco, «Audiência Geral», 22 de Abril de 2020: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/audiences/2020/documents/papa-francesco_20200422_udienza-generale.html.
[6] INCONTRO DEL SANTO PADRE CON I GIORNALISTI DURANTE IL VOLO VERSO MANILA. Volo Papale. Giovedì, 15 gennaio 2015: http://w2.vatican.va/content/francesco/it/speeches/2015/january/documents/papa-francesco_20150115_srilanka-filippine-incontro-giornalisti.html (Original italiano – Nossa tradução).
[7] Ver Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, «Notas sobre a filosofia e a teologia inaceitáveis da Laudato Si’»: https://docs.wixstatic.com/ugd/71cd9f_03a494a236154791b42cac69986ce6f1.pdf
[8] Ver Luiz Sérgio Solimeo, «Resisting the Grave Errors in Pope Francis’s Apostolic Exhortation Querida Amazonia» (Resistência aos graves erros da Exortação Apostólica do Papa Francisco Querida Amazónia), TFP.org, 3 de Março de 2020: https://www.tfp.org/resisting-the-grave-errors-in-pope-franciss-apostolic-exhortation-querida-amazonia
[9] Ver Luiz Sérgio Solimeo, «Depois do culto à Pachamama, o Papa Francisco nega agora a co-Redenção de Nossa Senhora. IPCO.org. 10 de Janeiro de 2020: https://ipco.org.br/depois-de-adorar-pachamama-o-papa-francisco-agora-desrespeita-o-papel-co-redentor-de-maria/
[10] Padre José F. Sagües, SJ, «De Deo Creanteetelevante», Sacrae Theologiae Summa, vol. II, tr. II, n. 204.
[11] Ver Pe. SixtusCartechini, SJ, De Valore NotarumTheologicarum (Roma: Typos Pontificiae Universitatis Gregoriane, 1951; Sainte Croix du Mont, França: TRADIBOOKS, n.d.), p. 83.
[12] «Création», in Dictionnaire de Théologie Catholique, vol. III, col. 2172.
[13] Papa Francisco, Encíclica Laudato Si ‘, 24 de Maio de 2015, n. 236: http://w2.vatican.va/content/francesco/en/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html; Ver também Arnaldo Xavier da Silveira, «Notas sobre a filosofia e a teologia inaceitáveis de Laudato Si‘»
[14] Citações bíblicas da Bíblia Ave Maria.
Fonte do documento original: