
18 Abr O Parlamento: representação da vontade nacional ou símbolo de irresponsabilidade?…
Mário Saraiva
O Parlamento!… Mas quem é o Parlamento? É possível pedir a este responsabilidades pela má política que prejudica ou perde um País? Quem há que legalmente lhas possa pedir? Nem uma nem outra interrogação pode ter resposta afirmativa. A responsabilidade só é atribuível a uma pessoa. Exigi-la a uma assembleia que por lei é o único órgão legislativo da soberania, sendo impossível exigi-la individualmente a cada um dos seus membros, é, pelo menos, a maior das ficções.
Sobrada razão tem Charles Maurras para dizer que a República pode usurpar a autoridade à Monarquia, mas a responsabilidade real, essa, esquiva-se sempre a arcar com ela. Repare-se como na República se tem o cuidado de empurrar a ficção de responsabilidade para o seu órgão de mais numerosos elementos — o Congresso — para que assim, dividida por muitos, nada caiba a cada um.
Na Monarquia não se enjeitam responsabilidades. Existe uma pessoa — o Rei — que suporta todo o seu peso. Exactamente porque detém em suas mãos a suprema autoridade, porque é independente nos seus actos, porque possui o poder pessoal que resolve em última instância, é que assume logicamente toda a responsabilidade da sua conduta governamental. Autoridade e responsabilidade crescem em razão directa urna da outra, quando referidas a uma pessoa. Ao máximo poder corresponde a máxima responsabilidade. Mas já não sucede o mesmo em regime republicano. Pode haver nele um excesso de poder, levado até ao despotismo mais ou menos escondido de um partido, mas a responsabilidade fica sempre praticamente reduzida a zero, seja qual for o grau de poder, porque ela recai em última análise no Parlamento, a quem, nem material nem moralmente se pode obrigar a responder por ela. Materialmente iliba-o desse incómodo peso a Constituição intitulando-o único e verdadeiro representante da vontade nacional e não reconhecendo portanto a nenhum órgão ou indivíduo autoridade para o julgar. De resto, não sendo pessoa, não se pode sentar no banco dos réus… E não tendo cara, não tem vergonha, sendo por isso também nula a responsabilidade moral. Pode, é certo, aplicar-se-lhe a pena de dissolução. Mas que importa isso se ela não acarreta consigo ao menos a impossibilidade de reeleições futuras para os seus componentes?
Só na Monarquia se localiza a responsabilidade de governo. Observe-se como, mesmo nas monarquias parlamentares, onde o Rei não é responsável pela marcha dos negócios públicos, porque nem governa, nem administra, os republicanos têm por norma alvejá-lo com todas as suas armas de combate em resposta à acção dos ministros ou às deliberações do Parlamento. Por outro lado, observe-se paralelamente conto numa República os monárquicos dirigem os seus ataques, não à pessoa do Presidente, mas quase exclusivamente à orgânica da instituição republicana.
Ora, sabendo-se como toda a acusação de um erro ou de uma falta se aponta ao lugar onde reside a sua responsabilidade, podemos concluir ainda por esta dedução tirada de actos espontâneos, que não existe quem, pelo menos à face da lei, seja responsável pelas acções de um governo em República e que o governo monárquico tem em si tal significado de responsabilidade que até os inimigos da Realeza, em suprema e paradoxal confissão deste principio, são levados a atribuir ao Rei irresponsável de uma monarquia parlamentar toda a responsabilidade dos actos governativos. Eis uma homenagem indirecta da República às virtudes monárquicas e que não é única!
in “Claro Dilema – Monarquia ou República”, Edições Gama, Lisboa, 1944, págs. 63-66. O título, imagem, legendas e destaques gráficos são da responsabilidade da nossa Redacção.