Arautos d'El-Rei | Grandes Portugueses – Duarte Pacheco Pereira
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Duarte Pacheco Pereira

Grandes Portugueses – Duarte Pacheco Pereira

Navegador, Militar e Cosmógrafo (1460-1533)

Quanto mais elevado é o grau do valor e das virtudes de uma pessoa, mais encarniçados e radicais são os seus inimigos e maior é a ingratidão e a indiferença que a maioria dos outros lhe manifesta. Tal foi o caso de Duarte Pacheco Pereira.
Cientista, navegador e guerreiro notabilíssimo, este herói foi uma das figuras mais brilhantes da História de Portugal, contribuindo de forma admirável para a expansão da Fé e do Império, sobretudo nas terras do Oriente. Ali revelou a sua excepcional valentia, inteligência e cultura, glorificando a sua Pátria e o seu Rei com retumbantes vitórias militares e com eruditos estudos científicos.
A Nação, no entanto, não soube reconhecer o valor deste herói excepcional. Tecendo-lhe tal sorte de enredos, intrigas e calúnias, conseguiram os seus inimigos que ele fosse condenado à pena de prisão, onde permaneceu muito tempo acorrentado e humilhado. Provada mais tarde a sua inocência, recuperou a liberdade mas morreu pobre e esquecido… até hoje!

Sim, até hoje, porque os inimigos de Duarte Pacheco Pereira e dos heróis portugueses de Aquém e de Além-Mar continuam activos, tentando agora reescrever e manipular a história com a invenção de novos “heróis”, rebuscados nas sombras da mediocridade e da incompetência, como é tipicamente o caso de Aristides Sousa Mendes (*).
Cumpre-nos, portanto, recordar a vida e os feitos de Duarte Pacheco Pereira, modelo para todos os portugueses e em particular para aqueles que se orgulham de ter contribuído para manter até finais do século XX o Império Ultramarino que ele ajudou a edificar.


A rivalidade entre os reinos de Cochim e Calecute

O último rei do Malabar, segundo se deduz da história nebulosa dos primeiros tempos da Índia, foi Saramá Perimal a quem se refere Camões no Canto VII de Os Lusíadas. Este rei, representante da antiga dinastia dos Cheras, repartiu o seu reino vasto por amigos e parentes, deu a um deles o título de Samorim e a função de exercer soberania sobre todos os outros e dirigiu-se em peregrinação à cidade santa de Meca, de onde não voltou à Índia. Faleceu em Judá. O Malabar ficou, então, dividido em quatro reinos: Cananor, Cochim, Coulão e Calecute.

Até ao século XII era o de Cochim o mais poderoso, o estado hegemónico. O seu rei usava o título de Samorim, que significa rei do mar, mas que na realidade tem o sentido de imperador. A partir daquela data Calecute assume a supremacia e exerce a hegemonia política sobre todo o território que outrora fora de Perimal. O título de Samorim passa para o rei de Calecute.

A mudança da hegemonia provocara uma rivalidade latente entre Cochim e Calecute, entre o Samorim e o Rajá daquele Estado onde Perimal deixara a seu representante directo e onde existia a pedra sagrada sabre a qual forçoso se tornava realizar a cerimónia da coroação para que fosse legal o uso do título de Samorim e a hegemonia sobre os mencionados Estados do Malabar. Por isso, quando Vasco da Gama chega à Índia, em 1498, se mantém entre os dois Estados uma rivalidade profunda. Toda a política do Samorim é reduzir à sua inteira obediência os príncipes do Malabar, particularmente o rajá de Cochim a quem nem concede o direito de cobrir a casa de telha e que depõe periodicamente para investir nesse cargo outros personagens da sua confiança e significar, desse modo a sua supremacia.

Armada de Pedro Álvares CabralEm Dezembro de 1500, Pedro Álvares Cabral, depois de ter descoberto o Brasil, dirige-se à Índia e ali sustenta com o Samorim as primeiras escaramuças provocadas pela falta de lealdade deste e pelo injustificado ataque feito à nossa feitoria, existente já naquele porto indiano. Foi nestas circunstâncias que Cabral recebeu do rajá de Cochim convite para procurar este porto onde poderia comerciar livremente.

Tal oferecimento era o resultado da rivalidade existente entre os dois Estados.

Cochim procurava, levado pelo interesse político e material, um novo apoio para se libertar da suserania de Calecute e desenvolver o seu comércio e a sua riqueza. Esta revolução de Triumpara, que a esse tempo governava a reino de Cochim, foi o início de uma amizade e aliança que se manteve entre Portugueses e Indianos e que ainda hoje perdura na sequência natural de toda a nossa acção histórica. Triumpara não poderia ter encontrado melhor aliado, mais esforçado amigo e defensor do que Portugal. Na lealdade e na honestidade dos Portugueses que sempre souberam mostrar o maior respeito pela palavra dada, pelos tratados livremente firmados, encontrou o novo aliado a sua independência política que tanto ambicionava.

Cochim é uma ilha litoral, comprida e arenosa, onde se notam grandes plantações de coqueiros em quase toda a sua extensão baixa e alagadiça. Está separada da ilha de Vaipim por um canal que mede cerca de um quarto de milha de largura e é banhada pelo rio que vem desaguar no mar formando um bom e seguro porto.

Pedro Álvares Cabral assinou, então, com Triumpara, rajá de Cochim, um tratado de aliança em nome do Rei de Portugal. Nesse tratado se prometia que os Portugueses o fariam novamente Samorim, imperador do Malabar.

Como consequência deste pacto de amizade, deste entendimento com o primeiro príncipe indiano que abertamente acolheu os Portugueses e lhes dispensou sempre a major admiração e o melhor cumprimento dos tratados abrindo-lhes os portos da Índia, fundou-se a feitoria de Cochim, na qual ficou Gonçalo Gil Barbosa como feitor, Lourenço Moreno e Sebastião Álvares como escrivães, Gonçalo Madeira, que era natural de Tânger, como intérprete e ainda cinco degredados.

Cabral fez-se de vela para Portugal, deixando aquele reino a 9 de Janeiro de 1501.

 

A primeira fortaleza de Portugal na costa do Malabar

A viagem de Pedro Álvares Cabral dera-nos, portanto, na Índia, o interesse de um chefe indígena que nela desejava a nossa permanência para se defender do seu rival e alcançar o título desejado que outrora pertencera aos seus antecessores – o de Samorim – e a consequente preponderância sobre os Estados do Malabar. Ao mesmo tempo definira-se a atitude do rei de Calecute, aconselhado e dominado pelos Muçulmanos, inimigos da Fé e dos interesses de Portugal.

A aliança com o rajá de Cochim foi o ponto de partida para o nosso estabelecimento na Costa ocidental da península do Indostão, início do Império Português do Oriente que, mais tarde, Afonso de Albuquerque, com larga visão, concebe, conquista e organiza.

Este insigne português parte de Lisboa a 6 de Abri, de 1503 com uma armada de três caravelas. A 14 do mesmo mês parte Francisco de Albuquerque. As duas armadas dobram juntas, o cabo da Boa Esperança e chegam à Índia onde o rajá de Cochim os recebe alegremente. D. Manuel presenteava o seu aliado Triumpara e dele se obtinha permissão para construir uma fortaleza no seu território. Foi a 27 de Setembro de 1503 que D. Francisco de Almeida deu início à sua construção. Era a primeira fortaleza que os Portugueses levantavam na costa do Malabar, construída em terreno alagadiço, à beira-mar, feita de estacaria de palmeiras, dispostas em fiadas que guardavam entre si a distância de duas braças sendo este espaço cheio de terra. A fortaleza era quadrada, tendo a cada ângulo um baluarte guarnecido de artilharia.

Ao lado da fortaleza elevou-se a igreja portuguesa que tinha como patrono S. Bartolomeu.

Foi esta fortaleza inaugurada a 1 de Novembro de 1503, no meio de grandes festejos aos quais se associam o rajá e os principais de Cochim.

Costa do Malabar

 

Capitão-Mor do Mar

A 20 de Dezembro, os dois Albuquerques largam desta cidade e nela deixam Duarte Pacheco Pereira como Capitão-Mor do Mar, com uma nau, duas caravelas e 150 homens.

Duarte Pacheco era um hábil marinheiro e um afamado guerreiro. No dizer do cronista, era homem demasiado colérico e agastado. Natural de Santarém, cavaleiro da Casa de El-Rei D. João II, tinha-se tornado notada antes da sua viagem à Índia, na expedição de Afonso de Albuquerque, na qual comandava a nau Espírito Santo. Era filho de um navegador e neto de um armador. Crescera no contacto das coisas do mar, das arrojadas viagens dos Portugueses que iam desbravando o oceano, despindo-o das suas lendas, trazendo à civilização novas terras e novos povos. O seu espírito não podia deixar de estar possuído do ardor das aventuras e dos grandes feitos. Assim o demonstrou em toda a sua vida, posta ao serviço da sua pátria, realizando cometimentos que fizeram dele um dos portugueses mais notáveis da sua época.

A sua epopeia inicia-se com as viagens de exploração e reconhecimento ao longo da costa ocidental da África. Em 1494, toma parte, como delegado de Portugal, na conferência de onde resultou o célebre Tratado de Tordesilhas, sem dúvida o mais importante tratado realizado no século XV.

A sua presença nessa conferência revela os seus altos conhecimentos científicos.

A confiança que nele depositava D. João II mantém-se durante o reinado de D. Manuel que em 1498 o envia para além da grandeza do mar Oceano para descobrir terras ocidentais do Atlântico onde encontrou uma grande terra firme com muitas e grandes ilhas adjacentes a ela.

Julga-se, por isso, que tivera conhecimento das terras da América, facto que a política de então não permitia revelar para não provocar contendas com a Espanha, nem aguçar a cobiça alheia. Pedro Álvares Cabral torna esse descobrimento oficial, em 1500, e evitaram-se desta forma, atritos e reclamações que teriam surgido se o acontecimento não tivesse sido revestido de todos os cuidados, de todo o sigilo, sobre as navegações realizadas anteriormente.

Quando as armadas dos Albuquerque chegaram à Índia, o rajá de Cochim tinha sido atacado pelo Samorim que, à frente de 50.000 homens, o obrigara a fugir, depois de o ter desbaratado. Refugiara-se com alguns portugueses na ilha de Vaipim.

Vicente Sodré, que ficara na Índia como capitão-mor do mar, distanciara-se para o sul da Arábia, vindo depois, a encontrar a morte numa tempestade nas ilhas Curia Muria.

Triumpara ficara à mercê do seu figadal inimigo que o não poupará. Foi, portanto, com alvoroço que viu chegar os portugueses que o livraram da crítica situação em que se encontrava e o restituíram ao seu pequeno reino.

Foi ainda com receio de novo ataque do Samorim que consentiu o levantamento da fortaleza no seu território e pediu que ali ficasse Duarte Pacheco Pereira cuja acção contra as tropas de Calecute tinha admirado quando aquele, em companhia de Afonso de Albuquerque, se dirigiu para Bendurte, a cinco léguas de Cochim, ao encontro das tropas do Samorim que ali acampava com mais de oito mil guerreiros e muitos outros homens de armas. O inimigo, à vista dos portugueses, tentara a retirada mas de nada lhe valeu porque, perseguido, deixou no campo mais de oito mil cadáveres contra três mortos portugueses. Esta façanha, celebrada por D. Manuel em carta de 8 de Julho de 1505 à Câmara do Porto, assombrou o Oriente. Nela se distinguiu também o filho de Duarte Pacheco Pereira, Lizuarte, jovem de 20 anos que, destro nas armas e senhor de hercúlea força, se embrenhou no meio dos inimigos e os derrubou com uma espada de “ambas as mãos” de tal maneira que, ao ser alcançado e socorrido pelos nossos, estava rodeado de cadáveres, alguns dos quais cortados ao meio sem qualquer outro ferimento. Ali foi Lizuarte armado cavaleiro e louvado pela sua valentia. O ataque do Samorim representava para Triumpara a perda total do seu território, a morte do príncipe-herdeiro, Naraiã, que perecera a defender o vau da ilha de Repelim à frente de 500 homens.

Já os turcos de Cochim tinham sido distribuídos pelos capitães do Samorim quando os Albuquerques chegaram e encontraram o rajá refugiado na ilha de Vaipim que não fora atacada por ser considerada terra santa. A vitória do Samorim tinha provocado alarme entre os naturais de Cochim, alguns dos quais tinham passado para o seu campo. Juntamente com eles foram dois venezianos que haviam seguido na segunda viagem de Vasco da Gama e que eram “bons fundidores de artilharia”, tinham abandonado os Portugueses. Dados os prejuízos que a nossa acção no Oriente causava à República de Veneza, cujo esplendor era devido ao comércio com aquelas regiões, fácil é deduzir que os dois estrangeiros eram dois espias, empenhados em prejudicar toda a nossa glória e os nossos interesses. Passando-se para os nossos inimigos, logo lhes ensinaram a arte de fundir as peças de fogo com que o Samorim, um ano depois, se apresentou em novas investidas contra o domínio português e contra o nosso fiel aliado.


Inteligência, coragem e ousadia – o segredo das grandes vitórias

Na realidade o rei de Calecute ao ver a pouca força lusitana que ficava na Índia logo elaborou o plano de nos expulsar e de se vingar do rajá de Cochim. No entanto, Duarte Pacheco, na sua missão de capitão-mor do mar corria a costa de Cambaia, aprisionando embarcações inimigas e recebendo os tributos.

Batalha navalEstando em Cananor, foi surpreendido uma manhã por vinte barcos de Calecute que o atacaram. Breve levanta ferro e passa entre a frota inimiga, com vento de feição, salvando de um e de outro bordo, afundando uma embarcação e alcançando as caravelas que deixara em cruzeiro, fora do porto. Desbarata a esquadra inimiga. Ao chegar a Cochim, queixa-se ao Samorim de ter sido atacado, queixa esta que mais irrita o senhor de Calecute, pois a toma como troça visto as suas embarcações terem sido desbaratadas. Ameaça de morte os Portugueses que estavam na feitoria de Calecute, motivo pelo qual Duarte Pacheco manda Pêro Rafael libertá-los. Este, aproveitando um temporal, entra no porto sem ser visto, liberta os portugueses que se haviam refugiado em casa do mouro Cudja Bequi e volta a sair sem novidade. Este facto mais acirrou o ânimo do Samorim que resolve atacar Cochim pelo vau de Palinhar onde não podiam chegar as caravelas. Começa, então, uma série de ataques em que as reduzidas forças portuguesas, auxiliadas, nem sempre eficazmente, pelos naturais, defrontam um inimigo muito mais numeroso e bem apetrechado. É nesta luta que mais se ilustra o engenho de Duarte Pacheco Pereira, em que o seu valor guerreiro se toma notável, raras vezes igualado na história da humanidade. Era necessário demonstrar que o valor de Portugal não se ofuscava em face do número de inimigos, que o temor não residia entre as forças portuguesas. Em actos de verdadeiro heroísmo e temeridade se lutou ate à vitória final, vitória retumbante que ecoou por todo o Oriente e que se repercutiu no tempo firmando definitivamente o nosso poderio em terras orientais, captando novas amizades e fazendo respeitado e temido o nome português que lutava pela defesa do seu aliado a quem devia protecção. Não o movia o interesse material mas a supremacia espiritual da sua religião e o nome sagrado de Portugal.

É certo que nós éramos apenas 150 homens com três navios contra cerca de 100.000 inimigos e mais de 150 embarcações. Éramos auxiliados por 18.000 naturais que desertavam do campo da luta causando-nos sérios embaraços, até porque os atacantes já possuíam numerosa artilharia fundida no espaço de um ano pelos dois traidores venezianos que nos tinham abandonado e que vinham, agora, contra nós, dirigindo o ataque das suas armas de guerra. Tudo isso, porém, não representou nem um temor, nem um enfraquecimento do nosso valor, da nossa coragem, da nossa decisão de vencer.

O próprio rajá de Cochim, temeroso, preferia submeter-se ao de Calecute e aconselhava os Portugueses a procurarem refúgio salvador nas costas da Arábia. Ele próprio julgou que Duarte Pacheco endoidecera quando este lhe anunciou que não o abandonaria e que havia de derrotar e prender o rei de Calecute — o Samorim — repelindo abertamente a sua proposta para abandonar a luta.

Todo o seu cuidado foi consertar a defesa e tomar a iniciativa do ataque. Com o rajá de Cochim combina previamente a proibição da saída da cidade aos homens válidos e adopta severas medidas contra os manejos traiçoeiros dos mouros nela residentes.

A um deles, Mamemarear, senhor de mais de 20 navios que abasteciam Cochim em contrato exclusivo, ameaça enforcá-lo se continuar a dificultar o abastecimento de arroz à população e a propalar que essa falta é devida à acção dos Portugueses. Obriga-o a entregar, como reféns, a mulher e os filhos, que são enviados para a ilha sagrada de Vaipim.

Ao mesmo tempo levanta estacadas, arma batéis com bocas de fogo, arma estrados altos na popa e na proa das caravelas a fim de melhor poder dispor a sua gente para os combates e guarnece os pontos estratégicos.

A 27 de Marco de 1504, as forças do Samorim atingem a ilha de Repelim, por mar e por terra, trazendo cerca de 200 embarcações.

Duarte Pacheco Pereira guarnece com a sua caravela o vau de Cambalã e breve recebe o ataque de 80 embarcações. Trava-se um duelo de artilharia que termina pela retirada do inimigo.

Batalha de DiuA 14 de Abril, novamente é atacada a caravela de Duarte Pacheco e as do vau de Palinhar, sem resultado. Renovam-se os ataques, violentos e sucessivos, à estacada atravessada no rio, mas os inimigos são repelidos. Esta estacada, defendida por 70 portugueses, tinha em certa extremidade uma caravela e um batel grande.

A fortaleza era defendida por 39 homens. Junto da estacada concentravam-se 10.000 naturais e à retaguarda outros 10.000 sob o comando do rajá de Cochim acompanhado pelos de Tanor, Chalé e Repelim.

Toda a força era de artilharia. Afundam-se as embarcações, desbaratam-se as forças de terra, repelindo ataques sobre ataques.

Chegado o mês de Maio, o mês das chuvas, o Samorim retira depois de ter sido batido em novas tentativas de passagem dos vaus de Valajanca e de Edapali. Vai acampar em Cranganor onde Duarte Pacheco Pereira não o deixa sossegado, organizando razias sucessivas que causam numerosas baixas nos inimigos.

A 3 de Julho faz-se a paz e Duarte Pacheco volta a Cochim. O Samorim, porém, nada fiel à sua palavra, envia navios armados para o rio, que logo são perseguidos e desbaratados pelos Portugueses.

Em Agosto, novamente o inimigo tenta romper o vau de Palinhar mas é repelido com pesadas perdas.

Durante meses Duarte Pacheco Pereira vence sucessivamente as forças do inimigo, deslocando-se com uma mobilidade extraordinária aos sítios de maior perigo, organizando e reforçando a defesa, vigiando por tudo e conseguindo uma vitória retumbante onde se praticaram façanhas homéricas.

O Samorim vencido, derrotado, perdida toda a sua autoridade, retira-se para um mosteiro bramânico. Desta forma, maior realce se dava à vitória de Duarte Pacheco que justamente foi denominado o Aquiles Lusitano.

Previdente em tudo, soubera evitar a acção dos brulotes dirigidos contra os navios portugueses, desfeitos os seus efeitos de encontro à jangada blindada. Soubera repelir o ataque das torres de madeira blindadas com o fogo certeiro da artilharia. Soubera evitar as manhas do inimigo, que verificando não poder vencer pela força das armas, envenenara as águas do rio, mandara vender mercadoria envenenada, enviara emissários secretos para que matassem os Portugueses e incendiassem Cochim. Tudo, porém, foi conjurado a tempo e, parece milagre que um tão reduzido número de portugueses tivesse conseguido desbaratar forças tão numerosas em sua própria casa, na sua própria terra.

O Samorim que reunira poderosas forças, juntando as suas, as dos reis de Bipor e de Tanor, de Narsinga e de Bisnaga, viera ao campo de batalha, admirado de tanta resistência.

Duarte Pacheco Pereria, sabedor da sua presença, mandou atirar com uma pequena peça de artilharia que não atingiu o Samorim por este ter descido do andor em que observava o desenrolar da luta. Outro atentado o ia vitimando quando Pêro Rafael o viu fugir por entre os palmares e mandou disparar uma peca de artilharia grande que matou três homens da sua guarda, salpicando-o de sangue.

Espantava-se o Samorim que não tivessem produzido efeito as torres de madeira inventadas pelo mouro Oje Ale, máquinas que, arremessando setas e tiros em grande quantidade, se aferrariam às naus, guardas dos vaus cuja passagem era desejada. Com espanto verificou que estas máquinas de terra eram desfeitas pelo tiro certeiro dos artilheiros portugueses.

A sua desilusão, levou-o a abandonar a luta, acreditando já na supremacia das armas que pretendera derrotar, julgando-as invencíveis, protegidas por poder sobrenatural.

Duarte Pacheco toma aos olhos dos orientais as proporções de um ente fantástico, protegido pelo seu Deus, ao serviço do seu Rei, de uma poderosa e forte Nação que soube lutar e soube vencer a despeito do número dos inimigos e das suas manhas.

Nem a força das armas, nem os ardis da guerra, nem as torres blindadas, nem o envenenamento das águas e dos mantimentos, nem os projectos de incendiar Cochim e de a devastar com elefantes, nem a traição do inimigo nem a fuga dos auxiliares, nada obstou à vitória portuguesa.

Durante meses, um punhado de portugueses, em terra estranha, defrontando um inimigo incomparavelmente superior em número, sustentou luta eficaz, suportou ataques sucessivos, infligiu derrotas sobre derrotas e fez perder ao adversário mais de 18.000 homens em combates e razias.

Por, isso Camões, na estância XX do Canto X de Os Lusíadas celebra estes acontecimentos nos seguintes versos:

“Porque tantas batalhas, sustentadas
Com muito pouco mais de cem soldados
Com tantas manhas e artes inventadas,
Tantos cães não imbeles profligados,
Ou parecerão fábulas sonhadas,
Ou que os celestes casos invocados
Descerão a ajudá-los, e lhe darão
Esforço, forca, ardil e coração.”

A vitória de Duarte Pacheco dera ao rajá de Cochim enorme poderio, fora um golpe tremendo no poder muçulmano da Índia, afirmara bem alto o valor da amizade e da protecção a todos aqueles que se acolhessem ao convívio e bom entendimento com os Portugueses.

Apenas tinham terminado as operações em Cochim, Duarte Pacheco deixa a defesa da cidade entregue a duas caravelas e dirige-se a Coulão onde os Mouros ameaçavam o feitor português. Depois, dirige-se a Cananor onde os Mouros tinham carregado para o Mar Vermelho e morto um português da feitoria. Castiga-os severamente e apresa-lhes cinco naus.

Praticado este feito, faz o cruzeiro da costa. Estava-se em Setembro de 1504. A 14 daquele mês chega à Índia Lopo Soares e Duarte Pacheco embarca para Portugal. O rajá de Cochim, agradecido aos serviços prestados pelo insigne português, quer cumulá-lo de riquezas, de jóias, de terras, de dinheiro. Duarte Pacheco, porém, nada aceita, mostrando sempre a maior isenção.

É que a sua bravura não era filha do interesse que tantas vezes macula a glória de grandes feitos. Tudo recusou menos o brasão de armas que Triumpara lhe ofereceu, acompanhado de uma carta que vale a pena transcrever da História do Descobrimento e Conquista da Índia, do nosso cronista Castanheda:

“… e lhe dou por insígnias e sinais de seus feitos e honra que nisso ganhou, um escudo vermelho em sinal do muito sangue que derramou dos de Calecute nesta guerra, e dentro dele Ihe dou cinco coroas de ouro em quina por cinco reis que nela desbaratou. E a bordadura deste escudo lhe dou branca com ondas azuis e nela oito castelos verdes de madeira, armados na água, sobre dois navios rasos, cada castelo, por duas vezes que o combateram com estes oito castelos e de ambas os desbaratou; e dou-lhe sete bandeiras de ponta ao derredor deste escudo, três vermelhas, duas brancas e duas azuis, por sete combates que lhe deu el-rei de Calecute por sua pessoa, e em todos sete o desbaratou, e por sete bandeiras que lhe tomou das mesmas cores e feição; e dou-lhe um elmo de prata, aberto guarnecido de ouro e vermelho, e por timbre um castelo do mesmo teor com uma bandeira de ponta nele.”

A armada de Lopo Soares, aportou a Calecute onde exigiu a entrega dos dois artilheiros venezianos. Perante a recusa da sua entrega foi a cidade bombardeada durante dois dias e destruída a parte do palácio do rei. De regresso a Portugal, deixara na Índia, como 3º Capitão-Mor do Mar, sucessor de Duarte Pacheco neste cargo, a Manuel Teles, com cinco naus e trezentos homens.


Imbatível nas Armas, erudito nas Ciências

Duarte Pacheco Pereira voltava a Portugal na armada de Lopo Soares. Vinha rico de honras e de glória, pobre de bens materiais.

D. Manuel foi buscá-lo a bordo, levou-o à Sé e a S. Domingos onde o bispo de Ceuta, D. Diogo Ortiz de Vilegos, pronunciou eloquente sermão alusivo aos seus feitos heróicos que deram tão grande prestígio ao nosso nome no Oriente.

Foi-lhe concedido brasão de armas e o título de dom.

De 1505 a 1508, Duarte Pacheco Pereira redige a sua obra intitulada Esmeraldo de Situ Orbis onde se revela cosmógrafo insigne e cientista notável. Esta obra é um dos melhores monumentos da ciência geográfica e da ciência da marinharia da primeira metade do século XVI, onde o autor revela profundos conhecimentos.

Nela estuda o autor a navegação e as correntes marítimas e aéreas, dando preciosas indicações aos mareantes. Discorre sobre a história natural das terras que íamos conquistando, contribuindo para o conhecimento da distribuição das espécies vegetais. O Esmeraldo é um conjunto de roteiros, quase todos filhos da própria experiência do autor, onde descreve a rigorosa observação dos fenómenos da Natureza, as terras conquistadas e os caminhos percorridos. Tem uma importância muito excepcional no estudo dos problemas da história dos descobrimentos pois nela se contam muitos factos importantes da nossa navegação. Esta obra, dedicada a D. Manuel, revela o homem de ciência.

Mais tarde, em 18 de Janeiro de 1509, por ordem de D. Manuel, Duarte Pacheco Pereira é enviado em perseguição dos navios do corsário francês Mondragon que se dirigia para o norte com quatro naus. Encontra-o próximo do cabo Finisterra onde mete no fundo um dos barcos, aprisiona os outros e os traz para Lisboa juntamente com o corsário que só conseguiu readquirir a liberdade depois de ter prometido que, desde essa data, seria leal e bom servidor do Rei de Portugal e que trataria bem os vassalos de D. Manuel.

Esta determinação de mandar aprisionar o corsário francês foi motivada por ele ter, no ano anterior, roubado a nau do português Job Queimado que regressava da Índia. Como o protesto apresentado junto da corte da França não obtivesse uma resposta satisfatória, na usança de dilações propositadas e vexatórias, determinou D. Manuel um meio drástico para pôr termo às investidas contra os barcos de comércio portugueses que procuravam nas terras descobertas novos produtos que causavam a inveja das nações europeias e dos armadores estrangeiros.

Em 1511 é escolhido pelo monarca para ir em socorro da cidade de Tânger que fora cercada pelo rei de Fez. Mais uma vez Duarte Pacheco Pereira se desempenha da missão que o monarca lhe confiara mantendo o prestígio das armas portuguesas.

A política portuguesa não se preocupava exclusivamente com os acontecimentos do Oriente. Guardava ciosamente as conquistas do Norte de África onde tantos nomes de portugueses tinham passado à História pelos seus feitos heróicos. Ali se continuava o ataque aos inimigos da fé, da religião de Cristo, numa verdadeira escola de armas, sempre pronta e vigilante para manter e aumentar as glórias passadas.


A mais amarga ingratidão recai sempre sobre os que têm maior virtude

A Nação tinha contraído uma divida para com Duarte Pacheco Pereira. Ele soubera tornar grande o nome português no Oriente. D. Manuel fez-lhe mercê do governo de S. Jorge da Mina, em cuja capitania poderia auferir proventos legais que lhe dessem uma compensação material. Não quiseram, porém, os inimigos que o herói de Cochim ali se ilustrasse na prática de exemplar desempenho do seu novo cargo, tecendo-lhe tal sorte de enredos, de intrigas, que D. João III, movido por elas, o mandou trazer ao reino em ferros e o manteve, sem lhos tirar dos pés, durante muito tempo, na cadeia. Provada a sua inocência, foi solto. Pobre ficava, esquecido, indo morrer a Santarém, sua terra natal. Desta forma terminou os seus dias o herói nacional que soube afirmar na Índia, em feitos gloriosos, a fama de Portugal e dar o baptismo ao novo Império Oriental.

O facto não é singular. Outros heróis nacionais têm encontrado ingrata recompensa dos seus feitos. Há, no entanto, alguma coisa de superior e de sublime em todos aqueles que sofrem essas injustiças e ingratidões: é a consciência do dever que se cumpre, a contribuição desinteressada de cada um, no seu âmbito de acção, para o progresso, para o bom nome de Portugal, que sofre a injustiça dos homens sem desmerecer da Pátria que lhe foi berço.

Camões, no Canto X de Os Lusíadas, referindo-se à atitude de D. João III para com Duarte Pacheco, verbera o procedimento do rei nos seguintes versos:

“Morrer nos hospitais, em pobres leitos,
Os que ao rei e à lei servem de muro!
Isto fazem os reis cuja vontade
Manda mais que a justiça e que a verdade.”

Compara-o com os heróis da antiga Grécia e Roma: a Leónidas, que se defendeu, no desfiladeiro das Termópilas, da invasão dos Persas; a Horácio Cocles, que evitou a entrada dos Etruscos em Roma, protegendo o corte da ponte que lhe dava acesso e salvando-se depois a nado; a Quinto Fábio, que soube evitar Aníbal flagelando-lhe o exército em combates singulares; a Belisário, general do império bizantino que, depois de ter conquistado para o imperador Justiniano o reino dos Vândalos e dos Ostrogodos, foi acusado de conspirar contra a vida do imperador e, segundo era tradição, foi privado dos bens e da vista e esmolava pelas ruas de Constantinopla nos últimos anos da sua vida.

Duarte Pacheco Pereira era descendente de Diogo Lopes Pacheco, e foi um dos mais notáveis portugueses do século XVI.

A sua acção no Oriente foi notável. Sem ela teria desaparecido a nossa influência que só à custa de redobrados sacrifícios poderia ser realcançada.

D. Manuel teve a noção perfeita do seu valor pela forma coma soube pôr em relevo a acção de Duarte Pacheco, não só com cerimónias realizadas em Lisboa, mas ainda repetidas em todas as cidades e principais vilas do reino, e nos relatos enviados ao Papa e aos reis cristãos da Europa.

Estavam lançados os alicerces do novo Império oriental. Forçoso se tornava redobrar de energia e vigilância para proteger os aliados e combater os inimigos do Oriente e do Ocidente, agora feridos mortalmente nos seus interesses espirituais e materiais. Contra Portugal levantara-se uma onda de interesses e todo o valor seria pouco se não tivesse a orientá-lo uma acção definida e uma presença permanente nas terras do Índico. Assim o pensou Afonso de Albuquerque, aliando ao domínio do mar o domínio da terra, estabelecendo bases seguras da nossa soberania, fechando os portos ao comércio dos outros povos, encerrando o Índico na zona de influência da navegação exclusiva de Portugal e estabelecendo com os príncipes indígenas uma série de alianças que reduzissem as possibilidades de lutas e trouxessem para o interesse nacional valores espirituais aos que abraçassem a nossa crença e valores materiais no livre exercício do comércio, agora deslocado da rota do Mediterrâneo para o Atlântico.

Duarte Pacheco Pereira foi cosmógrafo notável, guerreiro ilustre, diplomata experimentado, navegador ousado. Foi figura do maior relevo em todos os campos da sua actividade.

Durante algum tempo atribuiu-se a D. Manuel I o mandado de prisão contra o herói de Cochim, acoimando-se de ingratidão o procedimento do monarca. Estudos posteriores realizados por Rafael Basto, conservador do Arquivo da Torre do Tombo, vieram demonstrar que tal procedimento é de atribuir a D. João III que não soube defender das garras dos inimigos e caluniadores quem tão grandes provas de isenção já tinha dado e dedicara toda a sua vida ao serviço da Pátria.

Por isso Camões que lhe dedica, mais do que a nenhum outro herói português, quinze estâncias do Canto Décimo de Os Lusíadas, o compara a Belisário, general notável do Imperador Justiniano, que lhe conquista reinos e que sofre a recompensa na prisão e na pobreza, filhas de acusações infamantes cuja falsidade é provada, o que não o livra de passear a sua cegueira pelas ruas de Constantinopla esmolando o pão de cada dia até ao fim da vida.

Ao percorrermos as páginas da nossa História secular, alicerçada nos feitos mais gloriosos da humanidade e nos maiores cometimentos mundiais, não deixamos de sentir um orgulho bem português pelo nosso passado, pelos homens que souberam elevar o nome de Portugal à consideração e a admiração de todas as nações. Mas não basta decorar esses feitos e ter presentes esses nomes para os enumerar como prova de cultura. Necessário se torna acordar na nossa alma as virtudes que os fizeram grandes, cultivá-las e predispor o espírito para seguir os exemplos que a História nos apresenta tão eloquentemente. Todos esses homens foram grandes porque dentro deles vivia um amor sagrado da Pátria à qual sacrificavam tudo: bens e saúde, honras e vidas, para adquirir outros bens e outras honras e outra vida, bens espirituais do dever que se cumpre e que a tudo sobreleva, honras supremas de servir um ideal de Nação, animado pela lei moral da Fé de Cristo, vida imortal que a posteridade mais aviva no reconhecimento e no exemplo, na admiração de tudo quanto é nobre e digno.

Fonte: “Grandes Portugueses – Duarte Pacheco Pereira” – Edições SNI (Nº 5)

(*) Para quem não conhece o mito e a mentira que se construiu acerca de Aristides Sousa Mendes, recomenda-se a leitura do livro: “O Cônsul Aristides Sousa Mendes — A Verdade e a Mentira“, escrito pelo seu contemporâneo, o Embaixador Carlos Fernandes (Edição do Autor, 2013, ISBN 978-989-20-4290-9). À venda na Livraria Apolo 70, Lisboa: www.livapolo.pt




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