Arautos d'El-Rei | O verdadeiro “segredo” dos Templários: fervor religioso e proezas marciais
312
post-template-default,single,single-post,postid-312,single-format-standard,ajax_fade,page_not_loaded,,qode-title-hidden,vss_responsive_adv,qode-content-sidebar-responsive,qode-theme-ver-10.1.1,wpb-js-composer js-comp-ver-6.8.0,vc_responsive

O verdadeiro “segredo” dos Templários: fervor religioso e proezas marciais

Para explicar o prestígio e o poder alcançados pelos Cavaleiros do Templo não é preciso recorrer a estapafúrdias teorias conspiratórias, nem a hipóteses gratuitas sobre ritos iniciáticos ocultos ou cerimónias esotéricas, mais ou menos tenebrosas, que a historiografia científica rejeita por falta de provas credíveis. Basta um conhecimento rigoroso da história medieval e da psicologia dos homens daquela época, que se baseie nas provas abundantes e insofismáveis que hoje se conhecem sobre a Ordem do Templo.
Como muito bem acentua Charles Moeller, “a Ordem deveu o seu rápido crescimento em popularidade ao facto de combinar as duas grandes paixões da Idade Média — fervor religioso e proezas marciais.” [1]

Como aconteceu com diversas outras grandes instituições, as origens da Ordem do Templo foram modestas e ficaram a dever-se a circunstâncias quase incidentais.
Embora Jerusalém tivesse sido conquistada pelos Cruzados em 1099, os caminhos que iam da costa até à Cidade Santa continuavam sob constantes ataques dos muçulmanos, que punham em risco a vida dos peregrinos cristãos. À vista dessa situação, em 1118, um nobre cavaleiro francês da família dos Condes da Champagne, Hugo de Payns, juntamente com Godofredo de Saint-Omer e mais alguns companheiros, decidiram consagrar as suas vidas à protecção dos peregrinos que percorriam aqueles perigosos caminhos.
Mais tarde, em 1128, graças à influência de São Bernardo de Claraval, fundador dos Cistercienses e Doutor da Igreja, a Ordem nascente foi aprovada pelo Concilio de Troyes. Surgia então para a História a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo.
O grande Abade de Claraval escreveu algumas das mais belas páginas da literatura cristã, ao traçar, precisamente, o perfil e a missão desses monges-cavaleiros: Elogio à nova milícia (Liber ad milites Templi: De laude novae militae). [2]
O Rei de Jerusalém, Balduíno II, destinou uma parte do seu palácio, contíguo às ruínas do Templo de Salomão, à nova Ordem monástico-militar. De onde os monges-guerreiros também ficarem conhecidos popularmente como os Pobres Cavaleiros do Templo de Jerusalém ou simplesmente Templários.
Esta foi a primeira das Ordens de Cavalaria, que procuravam unir as virtudes da vida religiosa com as da vida militar. Surgiram, não muito tempo depois, diversas outras Ordens, como a dos Cavaleiros do Hospital de São João de Jerusalém — mais tarde conhecidos como Cavaleiros de Chipre, de Rodes e de Malta — a Ordem do Santo Sepulcro, a Ordem dos Cavaleiros Teutónicos e, já na Península Ibérica, as Ordens de Santiago, Alcântara e Calatrava, além das Ordens militares portuguesas de Aviz e Santiago da Espada.
Além dos três votos religiosos clássicos — pobreza, obediência e castidade — emitiam os Cavaleiros Templários um quarto, o voto de cruzada, isto é, o de combaterem os infiéis mediante o uso das armas, a fim de defenderem a Cristandade.
A beleza do ideal, o apoio de São Bernardo — a major figura religiosa da época — fez com que a nova milícia crescesse rapidamente. Com o correr dos anos, a Ordem foi recebendo doações e legados de grandes benfeitores, assegurando, desse modo, a sustentação material da instituição.
Com o crescimento da Ordem, os seus conventos-castelos multiplicaram-se por toda a Europa Ocidental e pelo Médio Oriente. Muitos viajantes, para evitar os riscos de assaltos e os acidentes dos grandes percursos, passaram a recorrer aos Templários para as suas transacções financeiras. Depositavam urna determinada sorna num convento da Ordem, em França ou Inglaterra, por exemplo, recebendo um titulo de crédito que os autorizava a retirar a mesma quantia no seu ponto de chegada, digamos por exemplo, Chipre ou Jerusalém. Graças às diferenças de câmbio, que normalmente existiam entre o lugar do depósito e o da retirada, essas operações, em geral, rendiam algum benefício à Ordem.
A confiança que os Templários despertavam fez também com que os próprios reis começassem a confiar-lhes a guarda do Tesouro Real. Crescendo o seu património, os monges-soldados passaram a praticar também o empréstimo bancário. [3]
É preciso ter em consideração que a Ordem financiava as suas próprias actividades militares, incluindo a edificação, conservação e restauro, de fortalezas, o que exigia avultadas somas.

O preço do sangue

Porém, mais do que ouro e prata, a heróica defesa da Terra Santa custou aos Templários um alto preço em sangue: em dois séculos de luta contra os muçulmanos, pereceram cerca de 20 mil monges-cavaleiros, nos campos de batalha, ou executados pelos infiéis, quando caíam prisioneiros, pois, ao contrário dos demais cavaleiros, os Templários, de acordo com a sua Regra, não podiam pagar resgate para serem libertados. E os muçulmanos punham-nos diante do dilema: renegar a sua fé ou serem mortos. [4]

Decadência da Idade Média

Quando as duas grandes paixões da Idade Média  — fervor religioso e proeza marcial — começaram a declinar, sendo substituídas pelo espírito prático e interesseiro que iria prevalecer no Renascimento, a popularidade das Cruzadas e, consequentemente, a dos Templários, também declinou. Do mesmo modo, em muitas partes, o fervor dos monges-guerreiros também arrefeceu.
Com a queda dos Reinos Cristãos do Médio Oriente e a volta definitiva dos Templários para a Europa, em 1291, a própria razão de existir da Ordem começou a ser posta em causa e os seus avultados bens a serem cobiçados por muitos.
Em 1285, subiu ao trono de França o rei Filipe IV, cognominado o Belo. Pode dizer-se que, em quase todos os aspectos da sua vida, este monarca foi o extremo oposto do seu avô, o grande São Luis IX. Enquanto este rei Santo representou o espírito da Cavalaria naquilo que ela teve de mais puro e sublime — todas as virtudes levadas até ao heroísmo, ao serviço da Fé — o neto revelou-se um cínico oportunista, ávido de poder e de riquezas. Cercou-se de legistas (especialistas em Direito Romano), muitos deles já imbuídos daquilo que haveria de cristalizar-se pouco depois como a filosofia politica de Maquiavel, e que foram os grandes artífices da transformação da monarquia e da sociedade orgânica da Idade Média na monarquia absoluta do Renascimento e da Idade Moderna.

Ofensiva contra o Papado

O drama que envolveu os Templários foi só uma parte, embora muito significativa, das lutas movidas por Filipe o Belo para impor a sua tutela ao Papado e à Igreja.
Em 1296 começaram as suas desavenças com o Soberano Pontífice, o grande Bonifácio VIII. Este resistiu corajosamente às ingerências do rei de França nos assuntos eclesiásticos e publicou a Bula Unam Sanctam (1302), na qual definiu doutrinalmente, de forma explícita e orgânica, a jurisdição papal no seu relacionamento com a autoridade laica e afirmou claramente que o poder espiritual não deve estar submetido ao poder temporal; pelo contrário, tem por missão inspirar, guiar e corrigir o poder temporal, e que ambos os poderes devem trabalhar concordes para o bem dos povos e das almas.
O rei e os seus legistas reagiram ao que consideraram uma afronta, recorrendo à calúnia. No Conselho Real, em 12 Marco de 1302 e diante dos Estados Gerais, em 18 de Maio do mesmo ano, o ministro do rei, Guillaume de Nogaret, acusou o Papa de heresia, simonia, sortilégios e sodomia (as mesmas acusações que lançaria depois contra os Templários).
Num gesto visto por muitos como o final simbólico da Idade Média, tropas francesas invadiram o castelo de Anagni, näo muito distante de Roma, onde o Sumo Pontífice se havia refugiado, e Nogaret insultou o Papa. Um cúmplice seu, o patrício romano Sciarra Colonnainimigo pessoal do Pontífice e aliado dos francesesesbofeteou-o com a sua manopla de ferro. A brutalidade da agressão sofrida abalou a saúde do Papa, que contava então 86 anos de idade. Bonifácio VIII morreu um mês depois, a 11 de Outubro de 1303.
Ficava aberta a sucessão papal e, após o brevíssimo pontificado de Bento XI, Filipe o Belo conseguiu interferir na eleição pontifícia, obtendo a escolha de um francês: Bertrand de Got, Arcebispo de Bordéus. O novo Papa tomou o nome de Clemente V e transferiu o governo da Igreja para Avinhão. [5]

Julgamento iníquo

Abatido o Papado, o rei de França voltou-se contra outra grande força da Cristandade medieval: as Ordens Religiosas e Militares, as quais uniam em si os ideais da vida monástica e da Cavalaria. Mais concretamente, a Ordem dos Cavaleiros Templários.
Conforme assinala Pierre Vial, professor de História Medieval da Universidade de Lião, “o mecanismo de diabolização desencadeado contra os Templários utilizou os mesmos processos, as mesmas acusações, as mesmas palavras assassinas que haviam sido utilizados antes contra ilustres adversários de Fiipe o Belo: o Bispo Bernard Saisset e o Papa Bonifácio VIII.” [6]
Na noite de 13 de Outubro de 1307, numa operação de polícia sem precedentes, uma força armada invadiu simultaneamente todos os mosteiros Templários de França. Perante a ordem real, aqueles guerreiros indómitos decidiram não resistir à voz de prisão.
Submetidos a torturas atrozes — cerca de quarenta cavaleiros morreram durante os interrogatórios — um grande número não resistiu aos suplícios e admitiu as falsas acusações. O próprio grão-mestre, Jacques de Molay, foi um desses.
As declarações do cavaleiro Ponsar de Gisy, após confessar as suas culpas, sob tortura, são reveladoras: “Se me puserem de novo sob a mesma tortura eu direi tudo o que quiserem! Embora esteja disposto a dar a minha vida e a sofrer o fogo ou ser escaldado vivo pela honra da Ordem, desde que seja um sofrimento breve, eu não sou capaz de suportar tormentos tão longos como aqueles a que fui submetido [pelos inquisidores reais].” [7]
O Papa Clemente V protestou contra tais processos, mas o rei ameaçou-o. E, tal como na época de Bonifácio VIII, começaram a circular violentos libelos nos quais o Papa era, simplesmente, acusado de favorecer a heresia e os heréticos. Clemente V não era de estatura a resistir a tais pressões.” [8]
Condenados pela Inquisição dominada pelo rei, muitos Templários foram queimados vivos como hereges relapsos, entre eles o grão-mestre, Jacques de Molay, que se recuperara da fraqueza da falsa confissão e defendera a inocência da Ordem.
O Papa iniciou uma nova investigação, a qual acabou por absolver a Ordem dos Templários enquanto tal. Segundo Charles Moeller “a culpabilidade de indivíduos, que se pode dar como estabelecida, não envolvia a culpabilidade da Ordem. Embora a defesa da Ordem tenha sido conduzida de forma muito débil, não foi possível provar que a Ordem, como um corpo, professasse qualquer doutrina herética, ou que fosse posta em prática uma regra secreta, distinta da oficial. Em consequência, no Concilio Geral de Viena, no Delfinado, em 16 de Outubro de 1311, a maioria dos votos mostrou-se favorável à manutenção da Ordem. O Papa, irresoluto e pressionado pelo rei, finalmente adoptou uma terceira solução: decidiu a dissolução, mas não a condenação da Ordem, e não por uma sentença penal, mas sim por um decreto apostólico.” [9]
Na bula Vox in Excelso, de 3 de Abril de 1312, que dissolveu a Ordem do Templo, Clemente V reconheceu formalmente que o resultado das investigações não permitia condenar os Templários como hereges, por uma sentença definitiva. Mas declarou que eles se tinham tornado odiosos aos reis e aos bispos, e por isso tornavam-se inúteis para a defesa da Terra Santa, missão para a qual a Ordem tinha sido fundada. Por essa razão, decidia dissolvê-la “por via de provisão e em virtude de uma ordenação apostólica, e não pelo direito nem por via de sentença definitiva.” [10]
O Prof. Alan Forey, especialista no tema das Ordens Militares, argumenta deste modo em defesa da inocência dos Templários: “Embora todos os conventos da Ordem tivessem sido invadidos de surpresa, na mesma noite, não se encontrou qualquer ídolo ou algo que se lhe assemelhasse, e nem sequer um indício de cerimónias secretas. Ao longo da sua história, muitos cavaleiros deixaram a Ordem (por terem votos temporários) e voltaram à vida civil, passando a confessar-se com sacerdotes não ligados aos Templários. No entanto, nenhum deles jamais denunciou nada do género das acusações feitas pelos funcionários reais. Era praticamente impossível manter secretas por tanto tempo práticas tão contrárias à doutrina e à moral cristã, como aquelas de que eram acusados os Templários. As confissões foram obtidas mediante torturas atrozes e, muitas vezes, desmentidas posteriormente.” [11]

Extintos para sempre

Em Portugal, o rei D. Dinis não aceitou as acusações contra os Templários e decidiu, com aprovação pontifícia, fundar a Ordem de Cristo [12] para a qual passou os bens dos Templários portugueses que se incorporaram à nova milícia [13], dando inicio, no século seguinte, à épica conquista dos mares, que estendeu a Cristandade até às terras mais ignotas. Em Espanha, o Concílio de Salamanca declarou, unanimemente, que os acusados eram inocentes e o rei de Aragão, com os cavaleiros e o património dos Templários valencianos, fundou a Ordem de Montesa, para defender as fronteiras cristãs das ofensivas de mouros e piratas.
Noutros Reinos, os bens dos Templários foram incorporados aos dos Cavaleiros do Hospital de São João de Jerusalém (mais tarde conhecidos como Ordem de Malta). A maioria dos Cavaleiros remanescentes juntou-se a essa e a outras Ordens de Cavalaria existentes (Teutónicos, Calatrava, Santiago); certo número ingressou em mosteiros e conventos de outras Ordens e alguns houve que retornaram à vida civil, tendo obtido a dispensa dos seus votos religiosos.
O certo é que, enquanto Ordem, os Pobres Cavaleiros de Cristo do Templo de Jerusalém, ou Templários, deixaram de existir, não voltando essa ordem a ser restaurada pela Igreja. Por isso, qualquer grupo ou associação que se pretenda continuador da dita Ordem carece de qualquer legitimidade, independentemente dos objectivos que persiga.


Imagens:

1) A Ordem dos Templários foi a primeira das Ordens de Cavalaria que procurou unir as virtudes da vida religiosa com as da vida militar, sendo essa a principal razão da sua bravura e determinação em combate. Para os muçulmanos era o adversário mais temido e mais astuto.

2) Cavaleiro da Ordem dos Templários (esq.) e Cavaleiro da Ordem do Hospital de São João de Jerusalém (dir.)

3)
O último Mestre da Ordem dos Templários, Jacques de Molay, foi queimado vivo, juntamente com muitos outros companheiros de armas, depois de terem sido todos submetidos a torturas atrozes.


Notas

Artigo extraído do Livro “Código Da Vinci – Embuste e Falsificação” de Gustavo Solimeo e Luís Solimeo, Livraria Civilização Editora, Porto, Maio 2006, 125 págs. Transcrição autorizada pelos Autores. (Os destaques gráficos são da nossa Redacção.)

[1] Charles Moeller, The Knights Templars, in The Catholic Encyclopedia, s.v., NewAdvent.org-Catholic Encyclopedia on CD-ROM.
[2] Cfr. http://www.abbaye-saint-benoit.ch/saints/bernard/tome02/templiers/templiers.htm.
[3] Cfr. Jacques Wolff, La chute des moines banquiers, in Historama-Historia, Paris, Fevereiro 1995, pp. 18-21.
[4] Charles Moeller, The Knights Templars, loc. cit.
[5] “Cfr. IVAN GOBRY, Comment le Roi de France soumit Ia Papauté, in Historama-Historia, Fevereiro 1995, n. 578, pp. 12-17; CHARLES MOELLER, The Knights Templars, loc. cit.
[6] PIERRE VIAL, L’Arrestation Spectaculaire des Templiers – Étaient-ils innocents ou coupables?, in Historama-Historia, cit. p. 25.
[7] Pierre Vial, art. cit., p. 28.
[8] Pierre Vial, art. cit., p. 28.
[9] Charles Moeller, The Knigts Templars, op. cit.
[10] Ivan Gobry, Les procès des Templiers, Perrin, Paris, 1995, pp. 263-264.
[11] Alan Forey, The Oxford Illustrated History of the Crusades, Edited By Jonathan Rilley-Smith, Oxford University Press, Oxford New York, 1995, p.215.
[12] Aprovada pelo papa João XXII por meio das Bulas Ad e a ex quibus e Desiderantes ab intimus (de 14 e 15 de Março de 1319, respectivamente).
[13] Cfr. Isabel L. Morgado de Sousa e Silva, A Ordem de Cristo (1417-1521), in Militarium Ordinum Analecta, Publicação Anual do Seminário Internacional de Ordens Militares, Fundação Eng. António de Almeida, Porto, 2002, p. 43.



Este site utiliza cookies para permitir uma melhor experiência por parte do utilizador. Ao navegar no site estará a consentir a sua utilização. Mais informação

The cookie settings on this website are set to "allow cookies" to give you the best browsing experience possible. If you continue to use this website without changing your cookie settings or you click "Accept" below then you are consenting to this.

Close