Arautos d'El-Rei | Chefe de Estado improvisado ou preparado?
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D. Luis Filipe

Chefe de Estado improvisado ou preparado?

Está na Chefia do Estado uma das mais importantes diferenças entre as formas de governo republicana e monárquica.

Para os republicanos, o Chefe de Estado deve ser escolhido. Para os monárquicos, deve ser hereditário e preparado.

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Em república, o candidato à Presidência pode ser até um político experiente mas, como Chefe de Estado, será sempre o mandatário de um partido, de uma facção ou de uma estratégia política para a qual concorrem toda a espécie de interesses e influências, nacionais ou internacionais. Mas ainda que, por absurdo, o Presidente estivesse desligado de quaisquer compromissos, o simples facto de estar de passagem, já compromete todo o sistema republicano. A Chefia do Estado, com efeito, é um cargo demasiado sério para ser posto periodicamente em leilão. Assim como em tudo na vida há profissões ou cargos que requerem uma preparação e que não podem ser disputados, do mesmo modo também a Chefia do Estado deve estar acima de qualquer discussão e pressupõe uma preparação muito especial. Por isso a Monarquia prefere entregar a Chefia do Estado a um Poder imparcial e independente, estável e duradouro, numa palavra, a um Príncipe preparado e verdadeiramente identificado com a Nação por uma longa História de serviços a ela prestados pelos seus avós.

Como se dá então essa preparação do Príncipe?

Desde logo é necessário considerar a existência do inegável factor da predisposição hereditária. A família do Príncipe — mesmo naqueles casos em que não é reinante — tem atrás de si uma longa série de gerações especializadas no desempenho da alta função de reinar. E como é sabido, há muitas aptidões que se transmitem por hereditariedade, como se pode constatar em famílias onde predomina a tendência para a carreira médica, diplomática, musical, militar, etc. Assim, de um Príncipe que descende de uma família há 200, 500 ou 1000 anos reinante, pode-se razoavelmente esperar que tenha maior aptidão para o ofício de governar, do que uma pessoa que não tem nesse domínio quaisquer antecedentes.

Visto o factor da hereditariedade, considere-se agora o da educação

Desde criança, o Príncipe é cuidadosamente preparado para as funções que um dia deverá desempenhar. O seu pai, escolhe a dedo os mestres encarregados de lhe ministrarem os conhecimentos necessários, vigia atentamente o seu aproveitamento e instrui-o pessoalmente nos princípios da arte de governar e nos segredos de Estado. Mesmo aqueles Príncipes que são filhos de pais não-reinantes e a quem está vedada, portanto, a possibilidade de terem “aulas práticas” pela participação em despachos ministeriais ou em sessões do Conselho de Estado, podem sempre aprender o ofício de reinar no exemplo vivo da família e dos seus antepassados. “As lições da História — escreve José María Pemán (1) — são, na casa do Príncipe, experiências de família […]. O Príncipe respira, desde que nasce, um ambiente que a todo o momento é aprendizagem e ensino para a sua função.”

Tudo isso lhe confere uma bagagem muito especial e completa, a qual naturalmente lhe dá maiores probabilidades de ser bem sucedido como Chefe de Estado, do que um improvisado presidente republicano. Ademais, quando sobe ao trono, o Príncipe não é um desconhecido que aparece subitamente na cena política. Desde que nasce, toda a nação o conhece e tem os olhos postos nele. Sabendo disso, também ele, por sua vez, aprende a conhecer a importância transcendente de todos os seus actos e a ampla repercussão que têm os seus bons ou maus exemplos. A sua condição, portanto, pede um enorme esforço de vigilância sobre si mesmo, pede disciplina, pede renúncia a muitos prazeres, a muitas diversões e a muitas liberdades que qualquer outra pessoa pode ter. Inevitavelmente, daqui vem um sentido de responsabilidade que o cidadão comum nunca poderá alcançar, porque vem da circunstância do nascimento e porque é gravada na alma do Príncipe desde a mais tenra infância.

Ser Príncipe pressupõe qualidades de soldado: coragem, abnegação, renúncia, espírito de sacrifício e dedicação à Pátria

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D. Luís Filipe era verdadeiramente um Príncipe preparado para ser Chefe de Estado. Ao nomear o Tenente-Coronel Mouzinho de Albuquerque como aio do seu filho, El-Rei D. Carlos mostrou bem o cuidado que punha na educação do Príncipe Real. “Faze dele um homem e lembra-te que há de ser Rei”, disse D. Carlos ao dedicado Oficial de Cavalaria. Infelizmente o assassinato de 1 de Fevereiro de 1908 gorou essas esperanças, pondo termo à vida do Príncipe e alterando tragicamente os rumos da História de Portugal.
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É certo que hoje em dia, infelizmente, não sentimos essa noção de responsabilidade em muitos Príncipes das Casas reinantes ou não reinantes. Mas praticamente todos eles — até mesmo aqueles que não dão bons exemplos de vida pessoal e que muitas vezes parecem alheios aos problemas do seu país — receberam, quase como natural rotina, uma preparação bem adequada para reinar. Por vezes tiveram até uma educação bastante dura, em situações de exílio e de sérias dificuldades económicas.

Ao ouvirmos a palavra “Príncipe” somos geralmente muito mais propensos a pensar em privilégio e regalias do que a considerar os espinhos que essa condição acarreta, especialmente quando é levada a sério, com espírito de missão e de cumprimento do dever. Ser Príncipe, acima de tudo significa Servir e isso pressupõe qualidades de soldado: coragem, abnegação, renúncia, espírito de sacrifício e dedicação à Pátria. Esta ideia de Príncipe ao serviço da sua pátria e do seu povo, exprimiu-a magistralmente o Tenente-Coronel Mouzinho de Albuquerque, quando El-Rei D. Carlos lhe confiou a educação de seu filho D. Luís Filipe. Escreveu ele ao Príncipe Real: “É Vossa Alteza Príncipe, há de ser Rei; ora, […] ninguém como o Rei tem de se esquecer de si para pensar em todos, […] ninguém como ele tem que levar a abnegação ao maior extremo, ninguém como ele precisa de ser soldado na acepção mais lata e sublime desta palavra. […] o Rei é uma sentinela permanente que não tem folga porque, nomeado por Deus, só Ele o pode mandar render e então envia-lhe a morte a chamá-lo ao descanso. Enquanto vive tem o Rei de conservar os olhos sempre bem abertos, vendo tudo, olhando por todos. Nele reside o amparo dos desprotegidos, o descanso dos velhos, a esperança dos novos; dele fiam os ricos a sua fazenda, os pobres o seu pão e todos nós a honra do país em que nascemos, que é a honra de todos nós! Para semelhante posto só pode ir quem tenha alma de soldado!”(2)

Com esta reflexão e com o nosso olhar voltado para Sua Alteza Real o Senhor D. Duarte, Duque de Bragança, e especialmente para o seu Herdeiro D. Afonso, Príncipe da Beira, concluímos também com as palavras de Mouzinho: “A Vossa Alteza cumpre realizar as esperanças de seu Augusto Pai e nosso Rei, as esperanças de todos os Portugueses.”

Luís Filipe Ferrand d’Almeida

 

(1) José María Pemán, “Cartas a um céptico sobre as formas de governo”, Edições Gama, Porto, 1947

(2) Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Editorial Verbo, 1987, Vol. X, págs. 99, 100



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